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outubro 31, 2004

un bel momento guido disse:
- ma non che nessuno ha mai fatto le due cose insieme. io ti prendo una donna e te la stendo come fosse una collina in cielo neutro.

cesare pavese, la bella estate (folio bilingue, gallimard, 2004)
a gentileza é a posição do meio relativamente ao acesso de ira.

aristóteles, ética a nicomaco (lx, quetzal, 2004)
Blogger O poeta noctívago disse...

"Ira furor brevis est". Gnoma de Horácio.

1/11/04 00:46  

diz ...

basta-me
o teu umbigo de vinho
para ficar bêbado

jorge de sousa braga, fogo sobre fogo (lx, fenda, 1998)
Blogger cassandra disse...

ora aí está uma belíssima citação. a direcção agradece! :)

31/10/04 21:40  
Blogger O poeta noctívago disse...

Também me faz recordar alguns breves trechos poéticos. Contudo, não os referirei, pois corro o risco de ser censurado, uma vez mais, pela direcção!

1/11/04 00:39  

diz ...

las mujeres-magas [viii] Posted by Hello



philip wilson steer, jeune femme à la plage (1886-88)

seguras o chapéu com uma mão insegura. o vento não é forte e tu preferias segui-lo a ficar quieta. tens o sol a deitar-se atrás de ti, reflectido na cama de água prateada de um mar que não conheces, que receias e que te fascina. o vestido dança com esse vento, despreocupado, como se não fizesse nada na vida senão brilhar sob um calor e um carinho tais. cabelos sedosos e escuros passeiam-se pelo teu pescoço e sentes a falta de uns dedos que nunca sentiste. o vento leva-te o suspiro para longe e um dia tu perceberás porquê.
Blogger Unknown disse...

"até lá, tem cuidado com as ondas, atrás de ti."

muito doce :>

31/10/04 11:02  

diz ...

outubro 30, 2004

las mujeres-magas [vii] Posted by Hello



frédéric leighton, flaming june (1895)
a sereia dos teus sonhos

descia ao fundo do mar,
do mar escuro,
escuridão de algas e estrelas;
dançavam estrelas do mar
em teus cabelos
e cavalos marinhos arrastavam-te
no deslizar aquoso.

cassandra moraes, há minutos...
[ii]

passar a vida na diagonal. sem dar muita importância à paisagem, às casotas, à chuva, aos bonecos que encontramos a cada esquina, numa passadeira violada, em média, 150 vezes por dia, que encontramos em alguidares de chapa com rodas, que vemos carregados por caixas metálicas sobre carris. bonecos. é tudo o que temos para ver. passar a vida a ver bonecos, gentes estranhas de comportamentos estranhos de cores estranhas. pontos nebulosos em céus de amarelo + azul = verde. passar o tempo a pensar nesses bonecos é desperdício. só se os bonecos valerem o sacrifício infame da fugacidade crónica. também temos água para cheirar. e vento para tocar. e sonos para sonhar.

outubro 28, 2004

bd/ilustração

alex barbier é um dos favoritos. de cortar a respiração. Posted by Hello


http://www.fremok.org/livres/delachose.html
[i]

rios de paisagem que não aprenderam a falar guincham quando os atravessam e mutilam; monstros paisagísticos entopem os azuis que o céu tem e, como dragões, libertam fumo enraivecido que se mascara de nuvem. garfos de betão estendem-se pelo ar, carregando buzinas florescentes e chaparia gritante.
ao fundo, apenas o tejo dança ao sabor de um ritmo seu, todo seu. e sorri com o enjoar da conversa fútil entre mães-filhos-pais-maridos-amigos-colegas-mentirosos-amantes. não chega para o cansar, tem o dia todo pela frente. um dia de sol, de brisa e de música líquida vinda de coxas oscilantes no lufa-lufa metropolitano. todo um dia de atenção. e fala com o sol, amigo de longa data, para que brinque com as pessoas às escondidas, em vez dele próprio, que nunca se escondeu, castigado por um deus pagão.
no paço, diante do tejo pela manhã, lisboa pode parecer-nos suficiente de tanta luz que irradia e tenta cortar-nos a visão, luz emprestada pelo rio. pedacitos de prata valsam por entre algas, girinos e detritos. nem mesmo as matinais caganitas de chuva abrandam ou esmorecem aquele danúbio acinzentado. e, depois, parado o autocarro num sinal com grave deficiência orgânica, tudo dança com o rio: as nuvens parasitárias, o horizonte semeado de anil e carmim, a meia lua amarelada que chega tão omnipresente que, por uma fracção de tempo, a turba humana pára em saudação; as anímulas vertebradas minúsculas que somos nós, espectadores daquele golpe de teatro genial. o sol aprendeu com goethe e o seu amigo preferido foi nietzsche.
riba do douro (picote, 2001) Posted by Hello
por detrás do último monte da cidade velha, havia uma pequena estrada de terra vermelha que se estendia por alguns quilómetros. Avistava-se ao longe um amontoado de barracas. o mais impressionante era o barulho que se conseguia ouvir mesmo àquela distância. não se percebia bem o que era, qual a sua origem, mas era ensurdecedor para o ouvido incauto.
quem tentasse fazer aquele caminho, teria de ter consciência do péssimo estado em que as suas roupas acabariam por ficar: cheias de pó e de manchas que nem o mais inovador dos detergentes removeria.
bandos de crianças esfarrapadas, com mãos e rostos sujos de lama, corriam de um lado para o outro, perseguidores improváveis de uma galinha preta. metade do barulho provinha dos seus gritos entusiasmados. a outra metade parecia vir da voz de uma cigana de cabelos claros empoleirada em cima do telhado de chapa de uma casa que não seria a sua, a julgar pelos protestos de uma outra cigana mais velha, cheia de ouro nos pulsos e no pescoço. a que se apropriara do telhado da anciã gritava maldições e puxava pelos seus cabelos e estendia as mãos, como que a suplicar algo e depois, imprevisivelmente, dava-se a si própria uma bofetada impressionante.
percebia-se que o centro da discussão era um homem, o mesmo que, de mãos nos bolsos de umas calças rotas na zona da nádega esquerda, a escutava com enfado, de vez em quando abanando ligeiramente a cabeça e sorrindo. era uma cena certamente habitual porque ninguém permanecia especado a olhá-lo senão eu.
à luz da lua, só se ouvia aquela música contagiante ao som da qual aquela mulher ganhava poderes provenientes, tão só, da música, do acordeão e do violino bêbado escondidos por detrás das roupas estendidas nas cordas que ligavam as barracas entre si.
uma figura feminina passou pelo largo do vilarejo, cantarolando e dançando, as mãos mágicas a convidar os sonhadores e os infelizes a segui-la. minutos depois, seguiram-se-lhe dois homens, um de meia-idade, outro muito jovem ainda. um carro velho, paralisado junto ao barracão onde se faziam os casamentos, servia de esconderijo a dois apaixonados cujos gemidos se harmonizavam com a musiquita que lá se ia espalhando por entre chapa e roupa lavada. e enquanto a bebida me dava, por fim, sinal de que se apagavam as minhas luzes, vi a lua oscilar e as estrelas dançar. todas as estrelas tinham um par.
subiste à montanha mais alta do teu sonho e teu rosto chocava com um vento que fugia de seus irmãos. teu olhar fechado tremia por entre pensares pendentes e mornos, como fala, como beijo, como pele. um silêncio ensurdecedor gritava teus nomes mil, sem te perdoar aquela dança quieta e hesitante no tempo irreal.

poema em prosa meu (1995).
Blogger O poeta noctívago disse...

Das duas, uma... ou gostaste muito do meu poema e quiseste guardá-lo para ti, ou então... estava tão mau que optaste por retirá-lo.

29/10/04 14:11  
Blogger cassandra disse...

era mau, mesmo. não fiques ofendido, mas eu sou realmente honesta. e o blog não merece... :)

30/10/04 12:52  
Blogger O poeta noctívago disse...

Discordo, no entanto, agradeço a tua honestidade. Penso que o poema está bem longe de estar mau, modéstia à parte, mas é necessário saber compreendê-lo. Desafio-te a criares um melhor! :)

30/10/04 13:26  
Blogger cassandra disse...

acho-te preso a formalismos desnecessários e nem me parece que sentisses o que escreveste. isso é desonesto. :)

30/10/04 17:07  
Blogger O poeta noctívago disse...

Preso a formalismos desnecessários?! Sê mais concreta, se não te importas. Não costumo estar preso a nada. Seja a questões ou questiúnculas. Sou uma pessoa que assume a Liberdade em todos os seus parâmetros. Costumo sentir o que escrevo. Por vezes, há uma escrita instantânea. Que nasce de um gesto mecânico. Nem sempre os poemas saem da nossa vivência pessoal. Têm lugar, apenas, na imaginação.
Outra coisa ainda... Se há algo que não faço na vida é ser desonesto. Sou muito sincero/genuíno em tudo aquilo em que me insiro.
Esclarecida? :)

31/10/04 13:45  
Blogger cassandra disse...

esclarecida, sim :)

31/10/04 14:16  
Blogger O poeta noctívago disse...

Ora, então, ainda bem! Assim,já nos vamos entendendo. Não aprecio mal-entendidos.
:)

31/10/04 16:26  

diz ...

ele disse que o amor é um "cautério suave", uma "ferida saborosa".

não, não é brazuca. e é claro que não podia ser um islander.
nem sequer sabia que ernesto sampaio era poeta...
houve uns gregos que falaram disto, mas nunca com esta dimensão.
petrarca também o disse, mas o seu coração oscilava entre o prazer e a disciplina.
dante falou disto, mas nunca num verso.

falo de um místico espanhol, nascido em 1542, quando o sol transitava pela constelação do caranguejo. esteve preso em toledo por pretender estender uma reforma da ordem carmelita aos padres, por influência de santa teresa de ávila. durante o tempo em que esteve preso, uns oito meses, escreveu poemas belíssimos, em torno da questão da contemplação e do enamoramento, dizendo, num deles, que "fomos feitos para amar" e que a contemplação amorosa serve como meio de alcançar um estado espiritual próximo do divino.

s. joão da cruz
Blogger O poeta noctívago disse...

Obrigado por teres enriquecido, um pouco mais, a minha cultura. :)

Mas é mesmo assim... " Indocti discant et ament meminisse periti"! :)

Definições de amor há muitas. Mas conheço bem a minha e a de alguns autores. Junto mais uma opinião à lista. :)

P.S.: Fiz a referência ao Brasil, pois a flor-de-sangue é uma árvore, da família das asclepiadáceas, tipicamente brasileira.

E lá se foi o doce! :(

28/10/04 01:23  

diz ...

outubro 27, 2004

o amor é uma flor de sangue.

um doce a quem souber que senhor falou do amor desta forma...
Blogger O poeta noctívago disse...

Dá-me a entender que essa frase é pertença de um autor do universo da literatura brasileira. Não estou a conseguir chegar ao nome. Maldita memória!

Bolas... acho que vou ficar sem doce! :(

27/10/04 01:18  
Blogger cassandra disse...

é um senhor do velho continente...

27/10/04 15:30  
Blogger Ghibli disse...

D.H.Lawrence? Oscar Wilde?!...

27/10/04 15:56  
Blogger inês disse...

"minha flor de sangue de ferro de esperma minha destruição luminosa minhas nádegas de noite e de loucura/MEU AMOR"

27/10/04 19:37  
Blogger raspa disse...

Não adivinhei mas "googlei" e descobri o integral. Lindíssimo.

27/10/04 22:52  

diz ...

gosto dos meus pés... e não sou a única. Posted by Hello
Blogger O poeta noctívago disse...

Tens uns pés giros. Parecem esguios.

27/10/04 01:13  
Blogger Carla de Elsinore disse...

percebe-se porquê

27/10/04 04:43  
Blogger R2D2 disse...

Eu gosto muito de pés. Eu tenho uma pancada por pés. Tornozelos com pulseiras... Meus Deus, isto até me faz mal logo pela manhã...

27/10/04 10:18  
Blogger cassandra disse...

abraço para ti, rui! o spiegelman deve chegar ainda esta semana, vou deixar um reservado para ti :)

27/10/04 15:33  

diz ...

outubro 26, 2004

em tempos, coisificar o corpo era, para mim, não só aceitável como normal.
agora, uma pessoa muito especial anda a mostrar-me como é possível espiritualizar o sentir de um corpo ou dois...
Blogger animah disse...

“O soul, repressless, I with thee and thou with me, …
We too take ship O soul …
Joyous we too launch out on trackless seas, …
With laugh and many a kiss, …
O soul thou pleasest me, I thee.”

Whitman

26/10/04 17:00  

diz ...

sim, coisemos o espiritual!
a sofia, como sempre, a levar-nos por um caminho pouco trilhado...
Blogger Unknown disse...

a sofia... não regula bem dos pirolitos!

26/10/04 21:06  

diz ...

outubro 25, 2004

esclarecimento aos honrados bloguistas que por aqui deixam seus carimbos

não sou ruiva.
não lamento não ser ruiva.
lamento nunca ter tido sexo com uma ruiva.
Blogger O poeta noctívago disse...

O meu comentário foi dirigido à outra rapariga. Não sei como és fisicamente, mas parece-me que és uma pessoa interessante, pelo menos, a nível psicológico.

26/10/04 01:58  
Blogger O poeta noctívago disse...

Este último comentário foi dirigido à Cassandra. Isto está a ficar muito confuso, mesmo. :) Até dá para pensar... Será que a Cassandra e a Sombra são a mesma pessoa? :)

26/10/04 12:22  
Blogger cassandra disse...

a cassandra não é a sombra nem faz ideia de quem esta possa ser, mas agradece a assídua participação da mesma.
a cassandra pede desculpas pela confusão, pensei que estavas a falar com a dona do blog :)
e pensei que tu e a sombra fossem a mesma pessoa... ou aquela o alter-ego desta...

26/10/04 12:48  
Blogger O poeta noctívago disse...

Se isto está confuso, convém esclarecer: eu não sou a Sombra. Ela é um elemento feminino e eu masculino. Que possa ter algum alter-ego... é bem possível. Ou até vários. Mas são todos masculinos. ;)
Geralmente, ao responder a um post, estou a dirigir-me à dona do blog. Procurarei, no entanto, ser mais claro, doravante. :)
É o que te digo: penso que és uma figura interessante e, quiçá, misteriosa. :) Uma vez que são dois pontos usualmente juntos.

26/10/04 13:28  
Blogger teste disse...

lol!!! que confusão!!
bem, eu daqui só conheço a sombra, que efectivamente é ruiva, mas quanto ao feito complicado... ainda não me pareceu! ;)

26/10/04 14:19  
Blogger cassandra disse...

risos, muitos risos.
estou a gostar...

26/10/04 16:11  
Blogger O poeta noctívago disse...

E lá ficamos todos a conhecer a Sombra, de um lado, e a Cassandra, do outro. As coisas já se vão esclarecendo.:)
Agora... entra uma "gata". E temos um poeta... Bela cambada!
:)

26/10/04 17:54  

diz ...

itinerario de las hormigas (ou da simplicidade como ela surge)

las hormigas del desierto asoman desde las profundidades y se lanzan a los arenales.
buscan comida por aquí, por allá; y en sus andanzas se van apartando de su casa más y más.
mucho después regresan, desde lejos, cargando a duras penas los alimentos que han encontrado donde nada había.
el desierto se burla de los mapas. la arena, revuelta por el viento, nunca está donde estaba. en esa ardiente inmensidad, cualquiera se pierde.
pero las hormigas recorren el camino más corto hacia su casa. marchando en línea recta, sin vacilar, vuelven al exacto punto de salida, y excavan hasta encontrar el minúsculo orificio que conduce a su hormiguero. jamás confunden el rumbo, ni se meten en agujero ajeno.
nadie entiende cómo pueden saber tanto estos cerebritos que pesan un miligramo.

eduardo galeano, bocas del tiempo (catálogos, 2004)
desces a estradita de terra, assobiando. despreocupada a mente, leve o corpo imberbe. passaste a tarde a jogar à bola com os teus amigos e tens o cabelo molhado em suor. sentes-te bem, nem percebes que te sentes, nem mesmo a chuva que começa a cair te incomoda. sabes que a tua mãe te espera, um bolo de canela e uma chávena de chocolate quente em cima da mesa.
Blogger O poeta noctívago disse...

... e esta descrição poderia constituir uma bela representação imagética da infância.

25/10/04 00:48  

diz ...

outubro 24, 2004

espiritualizemos a coisa. digo eu.


e façam-me o favor de comentar a torto e a direito, se não esta frase perde a piada com que a imaginei...
Blogger Luís Serpa disse...

A coisa? Que coisa? Se for a coisa não a espiritualize, que só estraga.

25/10/04 10:42  
Blogger cassandra disse...

que coisa, pergunto eu...! quero saber que "coisa" imaginaram... que coisas andam os senhores bloguistas a espiritualizar...?

25/10/04 19:48  
Blogger O poeta noctívago disse...

O riff da canção This Fire, dos Franz Ferdinand.
:)

25/10/04 20:02  
Blogger O poeta noctívago disse...

... ou então... os impecáveis dedilhados inicias do novo single dos REM: Leaving New York. Um momento verdadeiramente arrepiante.

25/10/04 20:16  
Blogger O poeta noctívago disse...

... ou ainda... o vociferar(neste caso, tomar como elogio) da voz cavernosa e refinadamente lânguida do Senhor Tom Waits. Procurem ouvir o Real Gone. É o seu último disco e apresenta-se, no mínimo, como soberbo. Que arrebata à primeira.

25/10/04 20:20  
Blogger Unknown disse...

coisemos o espiritual.
onde é que eu meti o universo? (ah! já o tenho vestido.)

25/10/04 21:03  
Blogger inês s. disse...

"the thing", claro. é um bocado auto-explicativo, ou não? e o que mais há para espiritualizar?

26/10/04 11:29  

diz ...

outubro 23, 2004

voi ch'ascoltate: sono scenduta [vi]

não sabia como evitar-lhe a pele. a luz da pele dela irritava-o mas não deixava de a olhar. a sombra entre as pernas chamava as suas mãos atadas. e então ela pousou a faca. lentamente. com sobriedade. deu dois passos em frente. e a sombra insistia em agastá-lo. sentia-se tremer de ansiedade. as pontas dos dedos pareciam possuídos por uma febre estranha e tentavam a todo o custo libertar-se da prisão.
- repara que não te toco.
- mas eu quero tocar-te...
- porquê? não te meto nojo? eu atei-te e tu queres-me?
- estás a provocar-me...
um sorriso aberto e deslumbrante rasgou-lhe os lábios. ela recuou alguns passos e o cão reapareceu. parou aos pés dela, ganiu e lambeu-lhe uma coxa alva.
- querias fazer-me o mesmo?
o cão prosseguia a sua exploração. a língua rosa áspera desaparecia entre pêlos muito escuros. obedecia a ordens não pronunciadas de outros dias. a luz tremeluzia no lombo negro do animal.
- por favor, fá-lo parar...
ela tocou levemente o focinho do cão e este correu para fora da cozinha.
- lembra-te que este é um sonho teu, tomás. só teu.
agarrou na cenoura esquecida sobre a mesa e, sem mais, introduziu-a no espaço deixado livre pelo músculo canino.
- não faças isso...
- vem cá. impede-me.
ele ergueu-se para logo se ajoelhar diante dela. com os dentes, arrancou-lhe a cenoura dos dedos surpreendentemente frágeis e deixou-a cair, com um ruído seco. escutavam a música que emanava dos seus fôlegos irrecuperáveis e quebradiços. à espera de um passo.
e ele soube quem era no momento em que enterrou o rosto na sombra que o chamava estava ele ainda na escuridão.

fim
Blogger O poeta noctívago disse...

Gostaria de te endereçar as felicitações pelo teu blog. Está repleto de manifestações da mais vítrea beleza.

24/10/04 00:57  

diz ...

se nunca esperarmos nada a não ser calor, sentimo-lo de uma forma nova, quase sempre arrebatadora e embrulhado numa miríade de outras sensações.
Blogger O poeta noctívago disse...

Por vezes, não há nada como uma nova sensação, uma lufada de ar fresco. Um corpo de conteúdo antigo, mas de pele a estrear.

24/10/04 18:29  

diz ...

outubro 22, 2004

apaguei um post escrito com um cinismo indigno das visitas que este blog recebe.
obrigada pela vossa compreensão.
Blogger cassandra disse...

não achaste desnecessariamente venenoso todo o post? reli e tive vergonha de ter sido cruel a esse ponto, apesar de concordar contigo :) (bem no fundo...)

22/10/04 22:26  
Blogger cassandra disse...

obrigada a todos :)

23/10/04 21:42  

diz ...

a bd e o caos editorial

1. lamento, mas o lançamento do 1º volume do sandman em português foi adiado sine die (culpa da falta de organização crescente da editora).

2. começa hoje na amadora (ou melhor, na estação do metro da falagueira) o mais importante certame de bd em território nacional. a meu ver, os responsáveis culturais da câmanara municipal não o encaram da mesma forma, ou não optariam por diminuir ano após ano o espaço que o mesmo ocupa, tendo como principal consequência o decréscimo da afluência de público.

3. neil gaiman não vai estar presente no lançamento d' os lobos na parede nem na abertura da exposição que este ano lhe é dedicada no cnbdi (amadora).

4. existe a bd perfeita, é portuguesa, e eu já falei nela antes: chama-se a vida numa colher [beterraba] e é da autoria de miguel rocha (editada pela polvo, que, devido à saída de um vendedor de livros como já não se fazem, está a falhar a distribuição do seu catálogo inteiro).

5. o ano passado, o fibda foi dedicado às mulheres, com milo manara como cabeça de cartaz que, afinal, não viria de modo nenhum a estar presente. se tudo correr como o poder autárquico pretende, daqui a dois anos já não têm de gastar dinheiro com bonecos, com a vantagem de poderem alegar falta de interesse.
Blogger R2D2 disse...

Não sei porquê, mas já previa algo parecido com isto. Não tenho mais comentários a fazer. Apenas resignar-me e esperar. Entretanto visito a BD na Amadora.
Obrigado
:)

25/10/04 10:02  

diz ...

outubro 20, 2004

devíamos sempre pensar que o que sabemos também o sabem as outras pessoas, que o que compreendemos qualquer outra pessoa é capaz de compreender. portanto, não precisamos de falar muito (...) o escritor condensa tudo o que tinha vivido e pensado num pequeno cubo. o leitor também tem cabeça e imaginação, que começam a funcionar logo que o escritor se cala. temos de meter bem na cabeça que devemos evitar a incontinência da linguagem (...). muitas vezes uma só palavra é suficiente. uma só palavra pode ter efeito, tal como à noite, com um só toque, várias ruas ficam iluminadas. às vezes penso que estes não são contos verdadeiros. se calhar devia dizer que eu só faço sinais. mas para fazer sinais são precisas duas pessoas. uma que dá e a outra que recebe. agora peço-lhes que abram a vossa imaginação perante eles.

istván örkény, histórias de 1 minutos, vol. 1 (lx, cavalo de ferro, 2004)

outubro 17, 2004

reflectidos numa janela de comboio, são nebulosas as pistas que os meus lábios me dão. o sorriso que não os separa afecta-me.
mas a frase do dia é...

é tão difícil guardar um rio quando ele corre dentro de nós.

jorge de sousa braga, balas de pólen (vila nova de famalicão, quasi, 2001)
Blogger Luis Gaspar disse...

Em tempos diria o contrário, ou seria tentado a isso: difícil é guardar-nos a nós do rio (morrer afogado; ir na corrente; etc). Em tempos, porque agora não há onde me afogar. Secou.

18/10/04 23:32  
Blogger limonada disse...

:)
Lindo.

20/10/04 11:50  
Blogger O poeta noctívago disse...

Segurar um rio é como procurar conter uma torrente de lava ou simplesmente tentar domar outro fenómeno da natureza qualquer.

24/10/04 01:58  

diz ...

outubro 16, 2004

entre os lençóis, elas brincam. as mãos que comem, as mãos que escrevem, as mãos que seguram o livro, o bilhete do metro, o cartão lisboa, o saco do pão, a porta, andam, durante a noite, na galhofa.
tatuagem

tinha uma rosa negra tatuada
num dos grandes lábios. e o

púbis religiosamente depilado
como de ervas daninhas se tratasse

jorge de sousa braga, a ferida aberta (lx, assírio & alvim, 2001)

como é possível alguém ser assim tão desejável e, mantendo-se fria e distante, ter o olhar cheio de um fogo incomensurável...? Posted by Hello
Blogger Rita disse...

De facto, não a poderias descrever melhor.

16/10/04 17:12  
Blogger O poeta noctívago disse...

A Isabelle Ann Huppert é, sem dúvida, uma mulher fantástica. As ruivas são, de facto, muito fogosas. :)

24/10/04 16:05  
Blogger O poeta noctívago disse...

Bom, já se entendeu que és ruiva. :) O cabelo cor de fogo é uma marca apelativa que encontro em mulheres. Geralmente, é um indicativo de que é interessante. Bom, espero que esta missiva te traga, de novo, o oxigénio... :)

25/10/04 19:08  

diz ...

outubro 15, 2004

voi ch'ascoltate: sono scenduta [v]

agora já só conseguia escutar uma espécie de grito surdo ininterrupto e sentia-o vir de dento de si, do seu cérebro, dos seus ouvidos. encarou-a durante alguns minutos e a calma dela fê-lo perder aquele lampejo de energia, de reacção intrépida que o movera segundos antes.
- se quiseres, digo-te já. - a voz dela parecia-lhe cada vez mais doce e feminina.
- dizes-me já...?
- a saída. podes sair daqui, onde quer que estejamos, abstraindo-te do que te rodeia aqui. tu estás num sonho que te pertence, tomás. só tu o podes destruir. mas tens de saber fazê-lo sem te perderes por aqui...
o seu nome ecoou-lhe no pulsar do sangue.
- sabes como me chamo...
- isso interessa?
sentou-se. subitamente, percebeu que queria sentar-se. queria perceber onde estava realmente. com certeza, tudo aquilo não podia ser um sonho. nunca se soubera tão imaginativo ou tão louco.
sentou-se, portanto, e ela sorriu. mesmo de costas, percebeu-lhe o sorriso. fitou-lhe a sombra curvilínea na parede à espera de um sorriso também ali.
ela contornou a mesa, o olhar demorando-se na pele dele, e agarrou na faca que pousara antes sobre a mesa.
- esta faca vai cortar-te. eu vou cortar-te com esta faca. vou cortar-te de cada vez que sentires prazer em observar-me.
- e se eu sentir nojo de ti?
foi nesse instante que ela sorriu. um sorriso enviesado e felino, os olhos cautelosos, a pele esticada pela tensão. tudo lhe indicava que sentiria tudo menos nojo dela.
- pelo contrário. vais sentir-te fascinado e vais odiar-me por te fazer sentir tanto.
o sorriso mantinha-se, meigo, muito meigo, quase maternal e condescendente. ouviu-se inspirar fundo, preparando-se para aquela batalha, e soube que já a havia perdido. mas ela também o olhava com admiração. e escutava a respiração dele como de música se tratasse.
hoje cometi uma loucura.

primeiro, tenho de deixar claro que o contexto socio-económico em que cresci permitiu-me crescer sem consciência do que é possuir dinheiro: não sei o que é crescer com todas as bonecas do mercado, mas sei o que é andar de bicicleta no campo e aprendi a vindimar.
segundo, sempre acreditei, desde pequena, que tenho de lutar para conseguir o que quero e que nada me cairá no colo sem esforço e determinação e que uma boa dose de imaginação nos pode levar mais longe que os convencionalismos.
terceiro, aprendi a costurar com a minha mãe quando era miúda (mas nunca cheguei a aprender a cozinhar, só invento coisas estranhas com ingredientes impensáveis), pelo que ainda hoje faço roupa para mim e de vez em quando compro roupa feita, preferencialmente em feiras (gosto da sensação de roupa usada e amada por pessoas antes de mim).

dito isto, hoje cometi uma loucura: comprei umas calças de lã que me ficavam obscenamente lindas pela módica quantia de 144 € arquitectadas por uma estilista nacional de quem nunca tinha visto nada tão vestível.

agora, o episódio em si:
eu só estava a passar por aquela rua por que fui levar comida ao gato de uma amiga que está fora. na montra, vejo aquelas benditas calças de um vermelho cor-de-sangue.
entro na loja (com as minhas calças de ganga já gastas e uma blusa manhosa), peço para ver as calças e a gaja (isto vai piorar) diz-me que já só tem aquele que está na montra, um 34 e que, por isso, não me devia servir!
o sangue subiu-me à cabeça, como é óbvio! como é que uma criatura daquelas, com um metro de cintura e uns troncos no lugar de pernas tem o desplante de ser tão arrogante.
eu sorri e, como sempre acontece quando me tratam assim, chamei-a de "querida" (no meu dialecto tem o valor de um insulto): "pois a mim, querida, parecem-me até um pouco largos demais para mim... não se importa de as tirar da montra...?"
cheia de uma má vontade repugnante, a criatura insípida lá o fez e eu levei as calças para um provador impessoal onde experimentei um verdadeiro orgasmo visual. aquela calça tinha sido feita para mim. e estava a chamar o meu nome :)
saí e ela praticamente arranca-me as calças da mão.
"querida, vou levá-las."
e foi assim que eu comprei as calças mais bonitas que já vi, extremamente simples mas muito bem cortadas. é claro que os portugueses são, na sua maioria, uns grandes hipócritas e preconceituosos. ao descer a garrett, entrei em duas lojitas e trataram-me como se fosse uma herdeira qualquer excêntrica só porque trazia na mão um saquito a dizer fátima lopes.
Blogger Ghibli disse...

Loucura?? Loucura era não as teres comprado!!

15/10/04 09:33  
Blogger Unknown disse...

lá no carrefour tratam-me bem... mas também lá é tudo muito mais mecânico. tb tu deste so uma hipotese e atacaste logo, a senhora podia ser fraca de vista.

16/10/04 00:01  
Blogger cassandra disse...

:))

16/10/04 00:03  

diz ...

outubro 13, 2004

peguem na caneta e na agenda:

dia 27 de outubro às 19h30: lançamento do 1º volume do sandman em português pela devir
(atenção: não se sabe ainda se neil gaiman estará ou não presente)

dia 28 de outubro às 18h30: lançamento de os lobos nas paredes, da dupla gaiman & mckean (idem)

isto na fnac chiado.
Blogger R2D2 disse...

Já apontei. Mal posso esperar.

14/10/04 10:02  

diz ...

outubro 11, 2004

voi ch'ascoltate: sono arrivata [iv]

quando percebeu que ela se aproximava, recuou um passo.
- tens medo de mim? sou uma mulher.
- dizes-me onde estou?
- se prometeres fazer o que te pedir...
ele olhou em redor. a cozinha parecia-lhe inofensiva. a luz começava agora a irritá-lo. a anca dela agigantava-se na parede e um seio trémulo tocava-lhe a sombra do braço.
- prometo que farei o que quiseres se me indicares a saída.
- dir-te-ei tudo o que quiseres... depois. prometo.
ela afastou uma cadeira da mesa e, com um menear da cabeça, pediu-lhe que se sentasse nela.
um calor húmido molestava-lhe as costas. não queria sentar-se e expôr-se ainda mais, mas sentou-se. pareceu-lhe que emagrecera desde que ali chegara. arranhou as coxas, quis arrancar a sua carne, mas a mão dela segurou-lhe o gesto. a mão dela, quente, cheirava a manteiga e a sol. sem saber como, como se uma nuvem negra lhe toldasse o raciocínio, viu a sua língua lamber-lhe a palma da mão, provar-lhe o cheiro adocicado. pensou que a vira sorrir, mas um olhar mais atento não vislumbrou qualquer alteração nas suas feições sérias.
ela contornou a cadeira até que ele a não visse.
- consegues sentir-me aqui, atrás de ti?
- sim...
- sentes o meu cheiro?
sem resposta, ele fingiu prestar atenção a um insecto inexistente.
subitamente, percebeu que ela lhe atava as mãos atrás das costas. "a corda!", pensou e nova vaga de suor frio lhe percorreu o corpo. mexeu-se timidamente, a princípio. depois, ergueu-se, com um salto, a cadeira feita apêndice. encarou-a com fúria impensada.
- lembra-te do que me prometeste.
Blogger João Neto disse...

Tenho a impressão que as ideias feitas são-no com cimento tal é dificil removê-las. Para alguns, só "forçando" se descobre o prazer que há em transferir a vontade para o outro. Por vezes, funciona...

12/10/04 10:52  

diz ...

fui ao encontro de outra janela luminosa, a eternuridade.
Blogger lgm disse...

Gracias.

11/10/04 23:50  

diz ...

mesmo conhecendo-a desde sempre, com uma tesoura numa mão e um tecido florido na outra, sentada diante da televisão na cozinha, a minha mãe ainda consegue surpreender-me: "qualquer pessoa pode ser um assassino, basta um motivo que despolete uma espécie de desinibidor do instinto animal. a partir daí, é a lei da sobrevivência. não há tribunal que valha. não achas, filhota?"
dá para ver a quem saí.


jan saudek (não consigo descobrir a data. importa?)
Blogger Alexandre disse...

não importa

11/10/04 15:07  

diz ...

se não fôssemos seres sensíveis, a realidade não teria textura alguma.
seria simplesmente realidade. sem cor, sem número, sem palavras ou silêncios mornos.
sem dimensão, no fundo, porque nunca chegaria a ter um lugar dentro de nós.

e, às vezes, a meio de uma noite de chuva, sinto o meu corpo sobressaltar-se sem saber porquê. deixo de sentir o colchão, deixo de me sentir naquele calorzinho que o meu corpo mantém entre os lençóis e o cobertor, não sei se está escuro ou se estou cega, se ainda ouço ou se o universo se calou. nem sei se ainda tenho corpo. estarei, nesse instante, insensível para a realidade?
Blogger Unknown disse...

se calhar estás apenas a sentir que existes, e a descobrir de onde vieste.

11/10/04 22:07  
Blogger cassandra disse...

deves ter razão... :)

11/10/04 22:18  

diz ...

vais no carro, tranquilo, assobias uma música que ninguém conhece e, de repente, um clarão que só existiu na tua cabeça faz-te perder a noção de espaço e tempo e identidade, tudo numa ínfima fracção de segundo.
quando recuperas, o carro está parado. passaste por cima de uma poça lamacenta e a paisagem diante dos teus olhos é uma outra. uma imagem estranha, um mundo estranho vai ganhando contornos diante dos teus olhos, de forma autónoma. e, subitamente, o limpa-vidros cumpre a sua função, sem que desses conta de que foste tu quem lhe deu ordem para o fazer.
consegues realmente continuar a viagem? sem saber que mundo era aquele?

outubro 10, 2004

hoje conheci uma pessoa linda!

outubro 09, 2004

las mujeres-magas [vi] Posted by Hello



lawrence alma-tadema, in the tepidarium (1881)
Blogger mfc disse...

Todas as mulheres são magas... se o quiserem!

11/10/04 02:07  
Blogger cassandra disse...

quite true. mas nem todas sabem disso...

11/10/04 21:51  

diz ...

eu estou aqui, deste lado, mas estou aí, convosco.
eu aqui sou uma, séria, profunda, pensante.
eu aí sou muitas, superficial, simultaneamente imediata e oculta.
se me tocassem agora, eu aqui deixaria de existir.
seria sempre muitas e difícil de perceber.
o corpo só pede com o cheiro.
este corpo pede sempre com o cheiro. pede amor. pede uma carícia ou duas. ou uma madrugada inteira de transfusões de meiguice a estalar na pele.
este corpo pede o tempo todo, insatisfeito com tudo o que lhe dão.
e na verdade, nem ele próprio sabe o que pede, o que quer tanto que lhe dêem.
quando o tocam com a leveza de uma asa de borboleta, sabe que quer um toque mais poderoso. quando o tocam com a rudeza de um pneu de camião, sabe que quer enroscar-se em curvas quentes.
não sabe nada, este corpo, mas não deixa de ser um pedinte.
Blogger inês s. disse...

...e pede, pede, pede...

10/10/04 23:13  
Blogger cassandra disse...

:))

11/10/04 00:17  

diz ...

esta tarde, em conversa com um amigo, disse-lhe que, quando escrevemos, o nosso pensamento é um mutante à deriva.
será verdade? ou o meu pensamento estava já deambulante?
Blogger João Neto disse...

Talvez as duas. Para mim escrever é, tendo na frente uma infinita quantidade de barro, procurar nele o mínimo que faça o vaso para guardar esse pensamento.

11/10/04 18:51  

diz ...

a política de edição actual começa a cair no ridículo e este é só um exemplo das situações que levaram a esse estado calamitoso: um livro que venda mais de x milhares de exemplares num país que não portugal e/ou cujos direitos de edição/tradução estejam a ser negociados, no mínimo, para mais de 10 países tem imediatamente garantida a tradução às três pancadas e destaque com direito a knock-out para os restantes títulos. entre eragon, o gang do dan brown e regra de quatro, fica difícil encontrar espaço para mostrar que outros títulos saíram em português.

dito isto, se não chegaram a lê-lo em castelhano, quando saiu, em 2001, leiam-no agora em português (entre aquela e esta, a quebra financeira é de 0,80 €): a sombra do vento, de carlos ruiz zafón.

outubro 08, 2004

ainda o corto

sou uma privilegiada!
para além de conseguir falar com ele, de vez em quando, antes da loja abrir e de passar os dedos nesses sonhos, tenho um amigo que é o corto, sem tirar nem pôr. há uns anos furou a orelha e tem um brinco igual. usa o mesmo casaco, um amigo trouxe-lho de marseille. e ama as mulheres com um sorriso devastador...
não tenho explicação para esse fenómeno.
diria que corto é um homem sonhado, mas também isto deixa muito por dizer.
acrescento que alguns desses amigos ainda estão - compreensivelmente - apaixonados pela pandora. Posted by Hello

tenho amigos que gostam de bd que nunca compreenderam porque motivo este homem é, para nós mulheres, tão fascinante, a ponto de suspirarmos por ele, como se tivesse uma existência que não a de papel... Posted by Hello
Blogger João Neto disse...

E esse mar? Como se consegue desenhar um mar num traço e meia-dúzia de borrões?

8/10/04 23:13  
Blogger cassandra disse...

e aquele sol?
e aquele cigarro que se esvai num fumo de proporções míticas?

todos os traços do pratt contribuem para tornar os personagens (não é só o corto, claro) inesquecíveis, desde o primeiro encontro.

8/10/04 23:16  
Blogger animah disse...

o segredo do fascinio, como habitualmente, passa não pelo que é descrito, mas pelo que não é. cada um preenche as lacunas como deseja...
e a animação "Corto Maltese, La cour secrete des arcanes" terá feito justiça às bds originais?

9/10/04 00:10  
Blogger cassandra disse...

não me pareceu nada de jeito. :)

9/10/04 00:44  

diz ...

voi ch'ascoltate: sono arrivata [iii]

uma luz de que só naquele instante ele se dera conta apagou-se. num lugar impreciso. sentiu-se próximo da morte, de uma espécie de morte, mas não saberia dizer porquê.
percebeu que o cão saltava e desaparecia no escuro para lá da cozinha. a mulher regressava, trazendo nas mãos uma corda que pousou sobre a mesa.
ela olhou-o sem artifícios, como se de um exame clínico se tratasse: a pele, o nervoso dos tiques crispados pela incerteza, o tronco magro e as pernas arqueadas. fixou o olhar naquele ponto que as mãos dele teimavam em esconder.
- tira as mãos daí. - o tom não admitia nada para além do cumprimento da ordem.
o silêncio que se seguiu, pareceu-lhe a ele carregado como o de uma madrugada grávida de chuva. quis esconder-se. todo o seu corpo tremia, como se lhe tivesse dado uma carga de porrada com uma pá.
- não gostas que te olhe?
- não... não é o teu olhar... é esta situação...
- que situação?
- precisamente! não sei onde estou, quem és tu, se eu ainda sou eu... se estou vivo!
- estás vivo, sim.
e como quisesse dar-lhe uma prova disso mesmo, tirou o vestido de cor indefinida pela cabeça.
- toca-me.
ele sentiu uma comichão estranha. não se lembrava de alguma vez ter sentido algo parecido, parecia que um bicho diminuto o comia por dentro, algures no baixo ventre. arriscou olhar para aquele músculo que agora acordava.
- vês? estás vivo. está vivo...
las mujeres-magas [v] Posted by Hello

edgar degas, femme se coiffant (1885)
o prémio nobel da literatura de 2004 foi atribuído a elfriede jelinek, autora de la pianiste, lust, les amantes, les exclus, um outro romance cuja personagem principal é uma advogada lésbica e vampira [!] e uns ensaios. o prémio foi atribuído pelo "cours musical des voix et contre-voix de ses romans qui révèlent l’absurdité des clichés sociaux et leur incroyable pouvoir", representando os seus romances "chacun, dans le cadre de leur problématique, un monde sans grâce où le lecteur est confronté à un ordre bloqué de violence dominatrice et de soumission, de chasseur et de proie".

dúvida 1: esqueceram-se que hugo claus está quase a bater as botas?
dúvida 2: quantos membros do comité sueco eram do sexo feminino e desses, quantos eram homossexuais?
dúvida 3: será que isto significa que a danielle steel pode aspirar ao nobel?

isto parece terrível, mas sinto-me pessoalmente ofendida com a selecção.
eu gostei do filme que adaptou a história por ela contada em la pianiste.
a verdade é que tudo no filme me emudeceu e paralisou.
escolherem-na (e é claro que, apesar de o nobel premiar o trabalho de uma vida, todos irão dizer que o livro pelo qual ela ganhou o prémio é la pianiste) é como que abrir a porta, escancará-la mesmo, de uma sala escura onde está uma verdade que a maioria das pessoas tem medo de descobrir: os seus mais profundos medos e perversões.


p.s.1: elfriede jelinek já declarou que não estará presente na cerimónia de entrega dos prémios nobel devido à sua fobia social crónica, doença clinicamente comprovada por especialistas que a aconselham a deslocamentos curtos, sem a presença de multidões.

p.s.2: ela ainda não caiu em si, e, na verdade, sente mais desespero que alegria, porque os representantes do seu país natal, a áustria, já se apressam a ver no prémio que lhe foi outorgado um símbolo da superioridade austríaca.

p.s.3: jelinek retirou-se da vida pública em 1996, depois de ter sido publicamente humilhada por joerg haider, aquando de um violento ataque à sua obra com conotações sexuais por vezes extremas, qualificando-a de "vil e imoral". em consequência deste ataque, muitos livreiros conservadores retiraram os seus livros das suas lojas.
a minha mãe foi a primeira rapariga da sua aldeia a usar mini-saia (e ficava-lhe bem). andava sempre vestida segundo as últimas tendências (ela comprava revistas de moda e copiava os modelos, desenhando-os a olho, para depois os costurar). foi a primeira rapariga da aldeia a tirar a carta de condução (na verdade, a única a fazê-lo da sua geração). foi a primeira da sua geração a fazer mais do que a escolaridade obrigatória e a conseguir um emprego num atelier de costura (naquilo que, uma década mais tarde, viria a ser chamado de haute-couture) em lisboa.
o meu avô, nascido belga com ascendência judaica, ao inteirar-se da proximidade de uma revolução política que apoiava totalmente, decidiu oferecer-lhe, no dia 12 de abril de 1974, aquando de uma visita da filha à terra que a vira crescer, um renault 4cv para que ela pudesse deslocar-se à sua vontade. e dizem que os judeus são forretas!

no dia 22 de abril de 1974, a minha mãe viajou de ourém até lisboa, com duas amigas tão doidas quanto ela. a dada altura, uma das amigas passou para o lugar do condutor.
a minha mãe decidira tirar a blusa e tirar o soutien.
ainda hoje, quando me conta isto pela duodécima vez, ela ri até as lágrimas lhe correrem pelas faces. e depois termina dizendo: "já não me lembro bem, mas acho que houve um senhor que ia num tractor que, ao ver aquele espectáculo (estávamos em 1974, sandra!), deu uma guinada e foi parar a uma vala."
isto acontece-me de vez em quando... Posted by Hello
Blogger Unknown disse...

(risos)
a mim também ..
(risos)

9/10/04 14:20  
Blogger cassandra disse...

beijo grande, linda!

9/10/04 17:05  

diz ...

outubro 07, 2004

esta tarde, alguém que não me conhece muito bem disse-me a verdade, a dele, sobre o meu corte de cabelo: não é que me torne mais ou menos sensual, mas o facto é que põe em evidência a minha arrogância natural, o que faz com que aos homens - suponho que não sejam todos, mas que eles olham, olham! - lhes apeteça desfazer esta atitude.
ora esta! será que desprezei esta bendita criatura numa vida anterior?
peço-lhe, senhor do piano, goze esse concerto.

resigno-me perante a fatalidade de poder nunca vir a assistir a um concerto de tom waits (exceptuando aquele que tenho gravado numa edição de que existem uns 500 ex. em todo o mundo, tom waits a cair de bêbedo e esquecido de onde está e a falar com o público sobre tudo o que lhe vai passando pela cabeça).
mas estou feliz por ter visto john zorn + masada na aula magna e otomo yoshihide e sua trupe ao ar livre, na gulbenkian. foi um ano e tanto...
Blogger Miguel disse...

Ah g'zarei g'zarei pois!

E dou-lhe (Waits) abraços aqui da malta do somatos e tudo!

M.

7/10/04 20:20  

diz ...

outubro 06, 2004

não serão muitas as vezes em que me apetecerá falar do meu trabalho, afinal, isto é um blog, local de diversão e reflexão.
eu gosto do esforço físico ali dispendido, do cansaço que se acumula entre os músculos do pescoço passando pela massa da zona lombar até alcançar os feixes das pernas. gosto de chegar a casa com a cabeça vazia e de adormecer mal encosto a cabeça na almofada, como se fosse novamente uma criança de 6 anos, inocente. e nas horas que se seguem é o que sou.



p.s.1: avisarei quando receber lá na cave o in the shadow of no towers do art spiegelman: é uma edição grande, numa espécie de cartão, e o interior é inspirado nas pranchas publicadas pelo new yorker ao longo dos tempos - a propósito, o livro é uma homenagem às vítimas do 11 de setembro e é claro que eu não quero saber dos americanos para nada, eu gosto é deste judeu [leia-se isto com uma boa dose de ironia e de tolerância].

p.s.2: já agora, vai ser lançado também lá na cave a edição portuguesa, pela vitamina bd, do the wolves n the walls, de neil gaiman & dave mckean, este mês ainda.

p.s.3: e ainda o 1º volume da mítica série sandman dos mesmos senhores [não há dúvida, é a melhor dupla de sempre] editado pela primeira vez em português, pela devir.
Blogger R2D2 disse...

Que maravilha. Que maravilha. Que maravilha.
Um notícia boa, uma notícia óptima e uma notícia que me deixou em êxtase.
Obrigado. :))

Cumprimentos

7/10/04 11:45  

diz ...

outubro 05, 2004

desaconselhado a leitores pouco maduros ou a pessoas preconceituosas




isto só aconteceu com um homem: ele sentado na beira da cama e eu sentada nele, quando, sem perceber porquê, senti-me tão excitada que quis mijar. e mijei. ele não achou piada nenhuma. mas eu gostei.
este album faz-me sentir como um guerreiro mongol prestes a entrar num campo de batalha verdejante e frio, saboreando já a vitória. Posted by Hello
Blogger rupigo disse...

não poderia concordar mais.
ia sugerir outro deles mas cheguei à conclusão q gosto de todos por igual. :)

5/10/04 20:10  

diz ...

somos uma família problemática:

a minha mãe odeia a casa onde vive e gostaria de ter dinheiro o bastante para financiar um cruzeiro pessoal de duração ilimitada, de preferência, sem o meu pai; o meu pai é leão com ascendente em aquário (isto significa que se está a cagar para o dinheiro e que o gasta em mimos para si próprio); o meu irmão prefere mulheres de cabelos compridos, que gostem de usar saias e que não exponham demasiada carne (uma espécie que todas nós, mulheres, sabemos estar em extinção) e até hoje, só teve uma namorada que, por sinal, não acreditava em sexo antes do casamento, mas acedeu nalgumas «brincadeiras»; eu apresento algumas disfunções de ordem emocional e psicológica, como ter aqui um nome que não é o meu e não parar de falar de mulheres.
já está à venda por aí! Posted by Hello

Blogger Ruiva disse...

Do Art Spiegelman só conheço os Maus - o tomo I e II...fiquei curiosa, nice! Beijinhos

5/10/04 21:51  
Anonymous Anónimo disse...

Hei, voces já tem isso na fnac?

6/10/04 10:47  
Blogger cassandra disse...

por enquanto, só vi na tema, ali nos restauradores.
quando a fnac receber, eu digo-te. :)

6/10/04 23:28  
Blogger R2D2 disse...

Hmmm. Peço-te que me avises ou peço ao Vincent? Peço-te te lembres o Vincent para me avisar.

Cumprimentos

6/10/04 23:34  

diz ...

reescrita vii

fazia bastante vento àquela hora da tarde, no alto da falésia, mas ela parecia nem sentir o cabelo a emaranhar-se-lhe.
- dizes-me que o amaste mais que qualquer outra pessoa. fisicamente?
- a princípio. ele queria ser meu amante, toda a vida o quis. magoei-o tremendamente quando me apaixonei. ele não entendia como eu podia amar dois homens com igual intensidade mas de modos diferentes, com expressões diferentes.
- ele tentou matar-te?
- não. disse-me que não queria assistir à minha traição, que preferia morrer, que preferia que eu o matasse, a sofrer tanto. e ele sabia que se mo pedisse, eu fa-lo-ia.
- complexo de antígona.
- não, não comeces a citar as teorias de freud, de contrário deixo-te a falar sozinho. diz-me o que tu pensas disto, de mim, do meu crime.
- quando o mataste, sentiste prazer?
- sim. por muito terrível que isto possa soar, amei-o enquanto morria. pareceu-me tão belo que... e eu conhecia-o melhor que ninguém, sabia o que ele estava a sentir, percebia o que ele queria dizer... naquele momento, quis morrer com ele. pedir-lhe que me matasse. quando o beijei pela última vez, quis matar-me. antígona não matou polinices, não foi amante dele.
- mas pode ter desejado sê-lo.
- muito provavelmente. todas as mulheres amam os seus irmãos com uma incestuosidade latente. admiti-lo ou não dependerá do grau de auto-consciência e de auto-estima delas próprias. – uma pausa preludiou o que eu já sabia que ser-me-ia pedido. – define-me, então, de uma vez por todas. estou farta desta conversa.


sinto dentro de mim, danças a morrer, sonhas a morrer, teu suor é já fétido, teus lábios branqueiam com as ondas valquíricas que te vêm buscar. o vento que sussurra na minha garganta, na minha pele esticada, é o teu sopro tíbio.

- queres fazer sofrer porque crês suavizar a tua culpa. amas porque pensas que odeias. e buscas a morte porque acreditas que já estás morta.
encarámos o horizonte durante largos minutos, ouvintes daquele vento agora adocicado.
- faz de mim o que quiseres. mata-me. – o olhar dela, suplicante, deixou-me abismado. - uma inocência nunca antes vista perpassava no tremor das pálpebras e no revirar nervoso dos lábios. – este mundo não me serve, não caibo nele.
- como é que podes dizer-me semelhante coisa? tu és o que fazes. tens de acreditar que assim é.
- acabas com a minha vida ou eu acabo com a tua?
- eu não sou um assassino.
- e eu não faço batota.
sem gritar, ela lançou-se da falésia, carregada pelo vento amante quente de outrora.

fim
os animais são criaturas nobres. se as mulheres alcançarem o estatuto de animais têm sorte. ser um animal é uma asserção de animalidade, de vigor e vitalidade.

paula rego Posted by Hello


paula rego, latindo (1994)
da mulher nas guerras políticas

num crescendo impressionantemente patético, tudo se concentra nela, na sua frágil figura, trémula. hécuba não poderia terminar assim, não poderia ver-se reduzida a escrava em casa de odisseu a quem outrora poupara a vida.
hécuba censura-se a si e à raça que gerou, onde se inclui páris; descreve, alucinada, as chamas que consomem Ílion; apela, bestialmente, à terra geradora; fala de príamo, ignorante do seu destino e sente o abalo último, o cataclismo final para aquelas mulheres.
é então que hécuba transpõe aquela desvirilização do solo troiano que, sem sementes, nada produzia: a sua metamorfose em cadela restitui-lhe alguma dignidade, irá para o hades enquanto fêmea, mas incapaz de raciocínio, logo, sem capacidade de sentir dor. é a renúncia do eu que aqui encontramos: a mulher que se arrasta pelo chão, junto da terra e do pó que cobre os mortos, é menos que uma pessoa, mas se essa pessoa já nada tinha, já nada era, então, ganha alguma existência não deixando de personificar a “sobrevivência do sofrimento íntimo e das humilhações mais privadas”[1].
interrogamo-nos porque será a mulher o símbolo mais imperioso da coexistência paradoxal de prazer e de angústia. talvez o seja porque vive mais intensamente e de forma mais plena a sua feminilidade, talvez seja a maternidade que lhe outorgue esse poder, ou talvez a mulher não seja sequer símbolo de nada tão polémico como um paradoxo existencial.
mas continuemos a duvidar: a bestialidade de hécuba é desejável? a libertação do cerco de humanidade é libertador também da dor a que toda a acção humana conduz?

[1] R. Rosengarten, “Mulher–Cão”, p. 88.

N.B.: este texto e aquele publicado com o título das guerras políticas (01/10/2004) resumem algumas das ideias reunidas e discutidas por mim em 2000, num trabalho intitulado Hécuba ou Hécubas? Individualidade e pluralidade na Hécuba e n'As Troianas de Eurípides.
Blogger Ricardo disse...

Tal como então, gostaria de publicar este texto no meu blogue :D
Se tiveres mais textos, até podes participar no blogue! :D

5/10/04 20:05  

diz ...

gian lorenzo bernini, estasi di santa teresa (1645-1652) Posted by Hello


outubro 04, 2004

voi ch'ascoltate: sono ancora perduta [ii]

parou junto à porta e encostou o nariz na estreita linha de luz que passava por entre as dobradiças. espreitou. quis ver o corpo que andava lá dentro. que já entrava dentro de si. inspirou fundo, tentando perceber se era homem ou mulher. toda a sua pele estava agora coberta de gotículas de suor fétido. ouviu ranger e contornou a porta, lentamente, atento.
os seus olhos pestanejaram, revoltados contra a luz tão forte que vinha de dentro do quarto da porta aberta. mas uma vez lá dentro, não lhe pareceu tão forte assim, a luz, e já não sentia medo.
o papel de parede desprendia-se aqui e ali, um pouco por todas as paredes. a um canto um gramofone soltava as aspirações de stravinsky. um candeeiro com epilepsia parecia ter sido abandonado no chão alcatifado, entre o gramofone e um sofá cujo estofo se espalhava pela alcatifa. um cão negro e portentoso apareceu vindo do nada, os caninos prometendo dor.
- quieto.
voltou-se com brusquidão, tanta que quase caía. a voz era dela. da criatura cujos movimentos escutara, lá do fundo do corredor. não era beatriz, mas era bela. não prometia o paraíso, mas escondia segredos que lhe atiçaram a curiosidade.
- vives aqui?
- aqui onde?
- neste... lugar?
ela olhou em redor, como se fosse a primeira vez que ali entrasse, e tornou a encará-lo, sem resposta. tocou-lhe as pálpebras e tomou-lhe a mão para o conduzir por outro corredor, perpendicular àquele que ele percorrera. stravinsky seguiu-os. o cão também. se o encarasse, mostrar-lhe-ia novamente as aguçadas armas naturais de que dispunha. este corredor estava iluminado. só então, ele reparou que continuava nu. sentiu duas mãos imaginárias apertar-lhe os rins, faltou-lhe o ar. ela apertou-lhe a mão com força, como se adivinhasse uma fuga. deixou de sentir os dedos no momento em que entraram num outro quarto. uma cozinha. uma cozinha despojada: uma mesa, um fogão enferrujado, um lava-louça e uma torneira incontinente, um frigorífico e, sobre este, um candeeiro a óleo.
já não ouvia stravinsky. o cão subiu para cima da mesa, como se fosse esse o seu lugar.
ela foi até ao frigorífico e tirou de lá uma cenoura que lavou com um cuidado cirúrgico para a pousar, em seguida, sobre a mesa. retirou uma faca de tamanho médio de uma gaveta existente debaixo da mesa e pousou-a junto da cenoura.
- não te vás embora.
e deixou-o ali. sob o olhar atento e feroz daquela besta de preto.
reescrita vi

pequena, eu já sabia que te amava. pequena, eu já sabia como te beijar, como te levar para o meio do feno apanhado. pequenos, já sabíamos quem éramos e como acabaríamos. o vento sussurrava naquela manhã junto ao rio, dançava sobre dois corpos inventados.

- queres que te conte como foi?
no alfarrabista local, esperaria encontrar qualquer pessoa excepto sibele, o que me levou a concluir que a maturidade que eu julgava ter alcançado não tinha aniquilado todos os meus preconceitos. trazia numa mão um livro de lou andreas‑salomé e um outro de poemas de lucrécio. ambos na língua original.
- que me contes como foi o quê?
- matar a pessoa que mais amei.
receei o passo seguinte. dá-lo significaria alargar o horizonte do meu conhecimento, diria handke e uns quantos filósofos.
- não sei se ainda quero saber quem és.
- não? ficaste chocado com o meu comportamento? – ela sorria com o olhar e estremeciam os seios com um gargalhar escondido.
- não creio que chocado seja o termo mais apropriado. desapontado, talvez.
- és tu quem me desapontas com esse puritanismo, com essa falsa moralidade. sou uma assassina, o que é que esperavas encontrar? uma pessoa que, por amor, por vingança, por dinheiro, tivesse tirado uma vida querida? a tua moralidade é tanta quanto a minha, quanto a de qualquer um de nós, seres humanos. uns reconhecem-na, outros sabem exactamente os seus limites, outros exageram-na, fingem-na. tu finge-la. e queres acreditar nela.
o alfarrabista parecia terrivelmente interessado nela e, por momentos, senti qualquer coisa afogar-se no cinzento espaço do meu coração. sobretudo quando ela lhe sorriu.
- vamos sair daqui.
- tenho de pagar estes livros. – ela olhou para a minha compra - uma biografia de jung - e um esgar de escárnio escapou-se-lhe do canto dos lábios cor-de-cereja madura.
original me
coimbra, março 1999 Posted by Hello

parece-me que aprendi com os melhores.
senão, vejamos:
tudo começou com os manos bengelsdorff, com posts que abrem janelas viradas para a humanidade.
seguiu-se o tiago, orientador-mor da blogosfera, a ana e a filhota maria que brilham cada vez mais nesta galáxia.
daqui até à inês, foi um saltito e percebi, com ela, que havia lugar na blogosfera para mim também.
o miguel brinda-nos com a simplicidade.
o desassossego da sara descobri-o com um click cheio de curiosidade que ainda se mantém.
a ruiva mais querida continua com um humor irrepreensível.
ainda com o firme propósito de reeducar-nos, a irrepreensível rititi.
a minha admiração cresce sempre que visito a sofia, onde se descobre (ou se esconde) alguém extremamente inteligente.
a vida é mesmo um milagre!

tudo em redor de nós, ao longo das nossas existência está interligado por fios cheios de uma beleza inacreditável.

fui ver o filme sem saber as linhas gerais do mesmo. e fui, mais uma vez, surpreendida.
é que o universo ferroviário é o meu também: cresci com comboios (o meu pai trabalha na via férrea de norte a sul de portugal, de incidente em incidente) e durante as férias de verão, em miúda, ia para casa dos meus avós maternos, que moravam junto a um bosque entre uma passagem de nível e um túnel.
sim, emir kusturica consegue milagres, mesmo coisas tão simples (ou que o deveriam ser) como arrancar gargalhadas comovidas de uma sala no monumental, repleta de gente, numa tarde de segunda-feira.

outubro 03, 2004

desabafo.
sim, isto hoje é um desabafo a valer.

a meio da noite, o meu pai arrasta-se a tossir até à casa-de-banho. aí, tosse violentamente, vomita e sei lá eu o que mais.
o meu pai acredita que ir ao médico da empresa e fingir que percebe o que ele está a dizer resolve todos os seus problemas. foi assim que soube que um dos seus pulmões estava já completamente calcinado. mas a tosse não passou.
há um mês atrás, depois de muita insistência, a minha mãe conseguiu levar o meu pai até ao IPO para exames.
o meu pai tem cancro da garganta.
Blogger JPN disse...

conheço esse caminho. força.

14/12/04 03:02  

diz ...

las mujeres-magas [iv] Posted by Hello



egon schiele, nude (1910)

outubro 01, 2004

hoje contaram-me que a população de uma região da ex-jugoslávia tinha votado em massa no kustunica nas últimas eleições, apesar de, antes, terem votado sempre no slobodan milosevic.
fizeram-se inquéritos para saber o motivo de tamanha reviravolta e a resposta era inevitavelmente a mesma: ele arranjou-nos trabalho para todos.
chegou-se à conclusão, depois de prolongada pesquisa, que tinha sido emir kusturica, o realizador, quem lhes arranjara emprego e não o candidato às presidenciais, vojislav kustunica.
estávamos a tomar o pequeno-almoço, no emprego, e o meu comentário foi: "isso é compreensível. eles são ciganos. eles estão sempre a confundir os nomes".
uma colega reagiu de forma inacreditável, dizendo que a minha frase era "a coisa mais fascista que ela tinha ouvido desde o tempo de hitler [sic] e que já agora os judeus são todos (...)".
resposta minha: "estou a falar de factos, não disse para os matarem por causa desses factos. é uma idiossincracia social que, pessoalmente, me encanta: o cigano preocupa-se com a posição que ocupa dentro da família, não com o nome pelo qual é chamado. e muito menos importância tem o nome de um gadjo."

e eu que pensava que, àquela hora, a minha cabeça ainda estava offline...
não aceito que me digam que ler muito faz mal.
que raio de disparate!
e ouvir música provoca o quê? úlceras?
sol em trígono com saturno (0.5º- 1º)

vocês é sério, responsável, organizado e protector. cuida daqueles de quem se sente próximo e sente prazer em dar-lhes tudo o que necessitam. para si, uma relação bem sucedida é aquela que entra numa rotina agradável. Posted by Hello

uma arte, a "autogestão do tacto"

é preciso não esquecer que à visibilidade e cheiro do sexo feminino se deve acrescentar as suas qualidades tácteis. as mudanças na sua epiderme entre o externo e o interno; as suas rugosidades, a moleza, humidade e flexibilidade do seu interior são variantes que se adicionam à forma e cheiro, multiplicando ainda mais a expecificidade de cada sexo feminino.
o sexo é apalpado suavemente com a mão aberta e os dedos em direcção ao cu: o monte de vénus aconchega-se na concavidade da mão que, como se suportasse o peso do corpo, costuma notar a húmida excitação. depois, serão os dedos que, deslizando, acariciarão o clitóris ou sondarão diligentemente as profundidades da vagina. esfregar e indagação digital devem ajustar-se ao ritmo do prazer da mulher. a rudeza, inabilidade ou experiência do sujeito evidenciar-se-ão nessa sincronia.
há no tacto do sexo algo do ofício de agrimensor ao aquilatar com mão e dedos as dimensões e qualidades das suas diferentes zonas. também suscita certezas, pois descarta surpresas e confirma a ideia masculina de que uma mulher se entrega quando voluntariamente deixa que lhe toquem no sexo.

alberto hernando, cunnus: repressão e insubmissões do sexo feminino (lx, antígona, 1999)
não gosto deste ensandecer generalizado em torno do da vinci code e livros-que-explicam-o-que-não-é-suposto-sabermos a ele afectos. decidi que era altura para reler este livro: Posted by Hello


"the crucial point is this: had Jesus' followers identified themselves with the majority of Jews rather than with a particular minority, they might have told his story very differently - and with considerably more historical plausibility."

elaine pagels, the origin of satan (london, penguin, 1995, p. 14)

um outro dela, editado em português: evangelhos gnósticos (porto, via óptima, 1999)

agradecem-se, desde já, quaisquer comentários.
das guerras políticas

sabemos que as troianas foi representada pela primeira vez em 415. sabemos também que o contexto histórico propiciava a abordagem feita por eurípides a um tema tão amargo como a ruína de uma cidade e a chacina de um povo: em 416, a ilha de melos fora tomada pelos atenienses que procederam a um saque medular, finalizando com a chacina dos seus habitantes e discutia-se já, no auge desta vitória inglória, uma expedição à sicília.
se as troianas pretendesse alertar os espíritos para o perigo de uma tal aventura, eurípides teria falhado. esta tragédia, porém, tal como hécuba, não é senão a expressão do pensamento do tragediógrafo, a expressão de uma desilusão generalizada em relação à quebra dos valores sociais e em relação ao caos que se vivia. que eurípides impugna a guerra, parece não haver dúvidas, mas não devemos interpretar linearmente as troianas como uma mensagem política de alguém que pretende interferir no funcionamento político-social da πόλις.
a tragédia era um excelente palco para gritar contra os tiranos, porque a ambição cega que os atingia não lhes permitia ver com clareza os seus erros. situar esta realidade coeva nos tempos idos da tróia, a cidadela luzidia de ouro, era gritar o mais alto possível que o fim seria terrível e que o vencedor seria, de alguma forma, vencido.
eurípides, creditando ou não os rumores sobre o seu isolamento a nível político, era um cidadão de atenas e, como tal, um espectador da capacidade devastadora daquele poder tirânico.
como cidadão de atenas, o silêncio ser-lhe-ia ignóbil ou apenas quase insuportável?
Blogger Ricardo disse...

Excelente visão da tragédia. Queria autorização para publicar o texto no meu blogue (http://linguaseliteraturasclassicas.blogspot.com/). Desde já agradecido.

2/10/04 23:56  
Blogger cassandra disse...

autorização dada.
és de clássicas (lx)?

4/10/04 20:40  
Blogger Ricardo disse...

Sim, finalista de Clássicas, na FLUL :D
O texto será publicado daqui a pouco!!

4/10/04 23:00  
Blogger cassandra disse...

tb sou finalista de classicas, sei lá, pela 3ª vez (muitos risos)! este ano vou fazer uma cadeira: linguística latina. vejo-te por lá :)

6/10/04 23:33  

diz ...

las mujeres-magas [iii] Posted by Hello



amedeo modigliani, nudo sdraiato (1917)
podes sonhar com o que bem entenderes, mas tens de perceber que é só um sonho.
a realidade é outra coisa, não tão quente, não tão convidativa, mas tem cheiros e alguns deles vão ficar contigo a vida inteira. tens de perceber que o sonho não é inútil, pelo contrário, é decisivo na construção do teu carácter e na maneira como te relacionas com os outros.
a realidade, por o ser, pode deixar-te com um sabor amargo na boca; é melhor não procurares conciliar sonho e realidade num único plano, estás a iludir-te e podes sair magoado.
mas sonha, faz planos a partir desses sonhos e tenta concretizá-los, um de cada vez, nos seus devidos tempos.
pode suceder-te ficares preso entre um sonho e uma realidade: quando isso acontecer, não entres em pânico. é algo que acontece, pelo menos, uma vez na vida e, aos poucos, vais reconhecendo um e outro e respectivas fronteiras. se escolheres permanecer entre o sonho e a realidade, fá-lo com consciência e ciente dos perigos que essa escolha envolve: a inconsciência pode custar-te a vida e ficarás preso para sempre nesse limbo. e se pensas que isso não te prejudica, lembra-te que não estás sozinho: as outras pessoas não te reconhecerão, não saberão que realidade é a tua e virar-te-ão as costas. a solidão tem um peso enorme na vivência de qualquer espécie de felicidade.
tu sonhas porque queres ser feliz, lembras-te?
se sonhas porque amas, queres amar e não sabes como é amar. quando amares, sonho e realidade confundem-se no toque e na sensação. passar a ser carne e sopro. mas terás de aprender a não o ser o tempo todo com todos.
reescrita v

ao mesmo tempo que tudo isto acontecia, apercebia-me de que estava a explorar um imaginário que, ali mesmo, era universal. sibele terminou a tal canção e houve um segundo, pouco mais, em que o silêncio era total. todos os que ali a escutaram e almejaram compensavam-se agora num orgasmo psicológico com a fantasia da mulher. os nossos olhares encontraram-se: o sorriso desapareceu-lhe dos lábios e o calor evadiu-se-lhe do olhar. agora, ela já não passava de um sexo com pernas mal-cobertas.
sibele escondia-se sob aquela capa dura e distante e mesmo quando se soltava, quando se permitia ser ela própria, quente e provocadora, como enquanto cantava e insinuava nudez, não deixava de se escudar pela etiqueta de assassina, queria que a temessem, queria que a tomassem por uma mulher forte, que se impõe, que controla, não queria que descobrissem quão frágil ela podia ser.
ergui-me e, discretamente, fui até aos bastidores. sem me fazer anunciar, entrei no camarote dela. uma garrafa já meia repousava sobre a bancada diante da qual ela se sentara.11
- vieste chamar-me cobarde?
- porque é que deveria chamar-te cobarde?
- é o que eu sou!
ela desatou a chorar. a chorar! mas o deleite durou pouco: num minuto, sibele havia eliminado quaisquer vestígios de uma e de todas as lágrimas.
- vai-te embora. Tenho de ir para lá outra vez.
- cantar?
- não, sentar-me nos colos daqueles nojentos meio mortos.
- se os achas nojentos, porque é que o fazes?
- porque me dá prazer! enfia uma coisa na tua cabeça, eu só faço o que eu tenho vontade de fazer.
- está bem.
desta vez, quando nos encarámos, foi de um modo diferente, com um homem e mulher se encaram.
- e tu, também te imaginaste entre as minhas pernas?
nem pestanejei.
- sim.
ela ergueu-se e o vestido negro esvoaçou, espalhando um perfume intenso.
- é muito mais divertido e fácil dominar um homem pelo desejo.
- porquê?
- o homem não entende o desafio que a mulher lhe apresenta através da palavra, mas quando se trata de desejo... não se pensa nisso: vai-se em frente, não é o que vocês fazem?
- e em que é que isso torna mais fácil o domínio do homem por uma mulher?
- deixamos o homem pensar que é ele quem domina. mas somos nós, mulheres, que o aceitamos dentro de nós, nós é que podemos prendê-lo, retê-lo até à explosão. a mulher nem precisa do homem para se sentir presa, mas só nós é que conseguimos sufocar um homem.
e saiu do camarote. segui-a, passando ao lado da mesa do presidente da câmara, ao colo de quem sibele se apressara a sentar, e fui-me embora. não quis ficar com aquela imagem na cabeça, mas durante toda a noite só consegui pensar na mão carnuda dele sobre o sexo, húmido e palpitante, dela. não era ele quem a convidava.
a minha rotina mudou.
agora não acordo às 6h, não vou buscar o pão quentinho à padaria, não dou o pequeno almoço à minha avó (está em casa de um tio, só regressa a esta casa em janeiro), não sou apanhada naquele movimento migratório matinal a que já estava habituada há oito anos.
agora
se quiser, posso acordar às 10h, porque só entro às 13h (quando tiver aulas, acordo às 7h30) no trabalho, mas se durmo mais que sete horas, a minha cabeça não sabe se está realmente acordada ou drogada de sono.
o pão já nem está morno.
é suposto sair às 22h, mas não gosto de deixar uma coisa por acabar. tenho de esperar uma hora por um comboio, porque, aparentemente, a cp odeia os trabalhadores suburbanos que realizam turnos nocturnos.
hoje, que estava de folga, fui trabalhar porque sabia que não iria conseguir fazer tudo o que queria fazer (pesquisas, importação, novidades) até domingo, deadline para uma série de tarefas, e não me incomoda o carácter eventual do pagamento por estas horas ou o cansaço acumulado por estar a trabalhar há tantos dias seguidos e ter tratado do meu reingresso e o ter trazido trabalho para casa.
é a este ponto que eu gosto de livros e tudo é compensado pelo momento em que há uma reacção por parte de um cliente a um livro que encomendei. se a reacção é positiva ou negativa, não importa. importa que haja reacção consciente.
será por isto que este blog anda tão activo ultimamente?
se for, há algum bom motivo para acabar com o prazer de tanta gente?
sem ironias e com um sorriso... Posted by Hello

dedicatória ao rubens


e a poesia não tem pessoas nem personagens.

herberto helder, poesia toda (lx, plátano, 1973, 2º vol., p. 110)



é o modo como sentes as palavras dele que me encanta. o sorriso que te transforma as feições quando falas dele. o calor que vem de ti quando o partilhas...