da mulher nas guerras políticas
num crescendo impressionantemente patético, tudo se concentra nela, na sua frágil figura, trémula. hécuba não poderia terminar assim, não poderia ver-se reduzida a escrava em casa de odisseu a quem outrora poupara a vida.
hécuba censura-se a si e à raça que gerou, onde se inclui páris; descreve, alucinada, as chamas que consomem Ílion; apela, bestialmente, à terra geradora; fala de príamo, ignorante do seu destino e sente o abalo último, o cataclismo final para aquelas mulheres.
é então que hécuba transpõe aquela desvirilização do solo troiano que, sem sementes, nada produzia: a sua metamorfose em cadela restitui-lhe alguma dignidade, irá para o hades enquanto fêmea, mas incapaz de raciocínio, logo, sem capacidade de sentir dor. é a renúncia do eu que aqui encontramos: a mulher que se arrasta pelo chão, junto da terra e do pó que cobre os mortos, é menos que uma pessoa, mas se essa pessoa já nada tinha, já nada era, então, ganha alguma existência não deixando de personificar a “sobrevivência do sofrimento íntimo e das humilhações mais privadas”[1].
interrogamo-nos porque será a mulher o símbolo mais imperioso da coexistência paradoxal de prazer e de angústia. talvez o seja porque vive mais intensamente e de forma mais plena a sua feminilidade, talvez seja a maternidade que lhe outorgue esse poder, ou talvez a mulher não seja sequer símbolo de nada tão polémico como um paradoxo existencial.
mas continuemos a duvidar: a bestialidade de hécuba é desejável? a libertação do cerco de humanidade é libertador também da dor a que toda a acção humana conduz?
[1] R. Rosengarten, “Mulher–Cão”, p. 88.
N.B.: este texto e aquele publicado com o título das guerras políticas (01/10/2004) resumem algumas das ideias reunidas e discutidas por mim em 2000, num trabalho intitulado Hécuba ou Hécubas? Individualidade e pluralidade na Hécuba e n'As Troianas de Eurípides.
num crescendo impressionantemente patético, tudo se concentra nela, na sua frágil figura, trémula. hécuba não poderia terminar assim, não poderia ver-se reduzida a escrava em casa de odisseu a quem outrora poupara a vida.
hécuba censura-se a si e à raça que gerou, onde se inclui páris; descreve, alucinada, as chamas que consomem Ílion; apela, bestialmente, à terra geradora; fala de príamo, ignorante do seu destino e sente o abalo último, o cataclismo final para aquelas mulheres.
é então que hécuba transpõe aquela desvirilização do solo troiano que, sem sementes, nada produzia: a sua metamorfose em cadela restitui-lhe alguma dignidade, irá para o hades enquanto fêmea, mas incapaz de raciocínio, logo, sem capacidade de sentir dor. é a renúncia do eu que aqui encontramos: a mulher que se arrasta pelo chão, junto da terra e do pó que cobre os mortos, é menos que uma pessoa, mas se essa pessoa já nada tinha, já nada era, então, ganha alguma existência não deixando de personificar a “sobrevivência do sofrimento íntimo e das humilhações mais privadas”[1].
interrogamo-nos porque será a mulher o símbolo mais imperioso da coexistência paradoxal de prazer e de angústia. talvez o seja porque vive mais intensamente e de forma mais plena a sua feminilidade, talvez seja a maternidade que lhe outorgue esse poder, ou talvez a mulher não seja sequer símbolo de nada tão polémico como um paradoxo existencial.
mas continuemos a duvidar: a bestialidade de hécuba é desejável? a libertação do cerco de humanidade é libertador também da dor a que toda a acção humana conduz?
[1] R. Rosengarten, “Mulher–Cão”, p. 88.
N.B.: este texto e aquele publicado com o título das guerras políticas (01/10/2004) resumem algumas das ideias reunidas e discutidas por mim em 2000, num trabalho intitulado Hécuba ou Hécubas? Individualidade e pluralidade na Hécuba e n'As Troianas de Eurípides.
Tal como então, gostaria de publicar este texto no meu blogue :D
Se tiveres mais textos, até podes participar no blogue! :D
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