voi ch'ascoltate: sono ancora perduta [ii]
parou junto à porta e encostou o nariz na estreita linha de luz que passava por entre as dobradiças. espreitou. quis ver o corpo que andava lá dentro. que já entrava dentro de si. inspirou fundo, tentando perceber se era homem ou mulher. toda a sua pele estava agora coberta de gotículas de suor fétido. ouviu ranger e contornou a porta, lentamente, atento.
os seus olhos pestanejaram, revoltados contra a luz tão forte que vinha de dentro do quarto da porta aberta. mas uma vez lá dentro, não lhe pareceu tão forte assim, a luz, e já não sentia medo.
o papel de parede desprendia-se aqui e ali, um pouco por todas as paredes. a um canto um gramofone soltava as aspirações de stravinsky. um candeeiro com epilepsia parecia ter sido abandonado no chão alcatifado, entre o gramofone e um sofá cujo estofo se espalhava pela alcatifa. um cão negro e portentoso apareceu vindo do nada, os caninos prometendo dor.
- quieto.
voltou-se com brusquidão, tanta que quase caía. a voz era dela. da criatura cujos movimentos escutara, lá do fundo do corredor. não era beatriz, mas era bela. não prometia o paraíso, mas escondia segredos que lhe atiçaram a curiosidade.
- vives aqui?
- aqui onde?
- neste... lugar?
ela olhou em redor, como se fosse a primeira vez que ali entrasse, e tornou a encará-lo, sem resposta. tocou-lhe as pálpebras e tomou-lhe a mão para o conduzir por outro corredor, perpendicular àquele que ele percorrera. stravinsky seguiu-os. o cão também. se o encarasse, mostrar-lhe-ia novamente as aguçadas armas naturais de que dispunha. este corredor estava iluminado. só então, ele reparou que continuava nu. sentiu duas mãos imaginárias apertar-lhe os rins, faltou-lhe o ar. ela apertou-lhe a mão com força, como se adivinhasse uma fuga. deixou de sentir os dedos no momento em que entraram num outro quarto. uma cozinha. uma cozinha despojada: uma mesa, um fogão enferrujado, um lava-louça e uma torneira incontinente, um frigorífico e, sobre este, um candeeiro a óleo.
já não ouvia stravinsky. o cão subiu para cima da mesa, como se fosse esse o seu lugar.
ela foi até ao frigorífico e tirou de lá uma cenoura que lavou com um cuidado cirúrgico para a pousar, em seguida, sobre a mesa. retirou uma faca de tamanho médio de uma gaveta existente debaixo da mesa e pousou-a junto da cenoura.
- não te vás embora.
e deixou-o ali. sob o olhar atento e feroz daquela besta de preto.
parou junto à porta e encostou o nariz na estreita linha de luz que passava por entre as dobradiças. espreitou. quis ver o corpo que andava lá dentro. que já entrava dentro de si. inspirou fundo, tentando perceber se era homem ou mulher. toda a sua pele estava agora coberta de gotículas de suor fétido. ouviu ranger e contornou a porta, lentamente, atento.
os seus olhos pestanejaram, revoltados contra a luz tão forte que vinha de dentro do quarto da porta aberta. mas uma vez lá dentro, não lhe pareceu tão forte assim, a luz, e já não sentia medo.
o papel de parede desprendia-se aqui e ali, um pouco por todas as paredes. a um canto um gramofone soltava as aspirações de stravinsky. um candeeiro com epilepsia parecia ter sido abandonado no chão alcatifado, entre o gramofone e um sofá cujo estofo se espalhava pela alcatifa. um cão negro e portentoso apareceu vindo do nada, os caninos prometendo dor.
- quieto.
voltou-se com brusquidão, tanta que quase caía. a voz era dela. da criatura cujos movimentos escutara, lá do fundo do corredor. não era beatriz, mas era bela. não prometia o paraíso, mas escondia segredos que lhe atiçaram a curiosidade.
- vives aqui?
- aqui onde?
- neste... lugar?
ela olhou em redor, como se fosse a primeira vez que ali entrasse, e tornou a encará-lo, sem resposta. tocou-lhe as pálpebras e tomou-lhe a mão para o conduzir por outro corredor, perpendicular àquele que ele percorrera. stravinsky seguiu-os. o cão também. se o encarasse, mostrar-lhe-ia novamente as aguçadas armas naturais de que dispunha. este corredor estava iluminado. só então, ele reparou que continuava nu. sentiu duas mãos imaginárias apertar-lhe os rins, faltou-lhe o ar. ela apertou-lhe a mão com força, como se adivinhasse uma fuga. deixou de sentir os dedos no momento em que entraram num outro quarto. uma cozinha. uma cozinha despojada: uma mesa, um fogão enferrujado, um lava-louça e uma torneira incontinente, um frigorífico e, sobre este, um candeeiro a óleo.
já não ouvia stravinsky. o cão subiu para cima da mesa, como se fosse esse o seu lugar.
ela foi até ao frigorífico e tirou de lá uma cenoura que lavou com um cuidado cirúrgico para a pousar, em seguida, sobre a mesa. retirou uma faca de tamanho médio de uma gaveta existente debaixo da mesa e pousou-a junto da cenoura.
- não te vás embora.
e deixou-o ali. sob o olhar atento e feroz daquela besta de preto.
diz ...