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outubro 04, 2004

reescrita vi

pequena, eu já sabia que te amava. pequena, eu já sabia como te beijar, como te levar para o meio do feno apanhado. pequenos, já sabíamos quem éramos e como acabaríamos. o vento sussurrava naquela manhã junto ao rio, dançava sobre dois corpos inventados.

- queres que te conte como foi?
no alfarrabista local, esperaria encontrar qualquer pessoa excepto sibele, o que me levou a concluir que a maturidade que eu julgava ter alcançado não tinha aniquilado todos os meus preconceitos. trazia numa mão um livro de lou andreas‑salomé e um outro de poemas de lucrécio. ambos na língua original.
- que me contes como foi o quê?
- matar a pessoa que mais amei.
receei o passo seguinte. dá-lo significaria alargar o horizonte do meu conhecimento, diria handke e uns quantos filósofos.
- não sei se ainda quero saber quem és.
- não? ficaste chocado com o meu comportamento? – ela sorria com o olhar e estremeciam os seios com um gargalhar escondido.
- não creio que chocado seja o termo mais apropriado. desapontado, talvez.
- és tu quem me desapontas com esse puritanismo, com essa falsa moralidade. sou uma assassina, o que é que esperavas encontrar? uma pessoa que, por amor, por vingança, por dinheiro, tivesse tirado uma vida querida? a tua moralidade é tanta quanto a minha, quanto a de qualquer um de nós, seres humanos. uns reconhecem-na, outros sabem exactamente os seus limites, outros exageram-na, fingem-na. tu finge-la. e queres acreditar nela.
o alfarrabista parecia terrivelmente interessado nela e, por momentos, senti qualquer coisa afogar-se no cinzento espaço do meu coração. sobretudo quando ela lhe sorriu.
- vamos sair daqui.
- tenho de pagar estes livros. – ela olhou para a minha compra - uma biografia de jung - e um esgar de escárnio escapou-se-lhe do canto dos lábios cor-de-cereja madura.