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outubro 15, 2004

voi ch'ascoltate: sono scenduta [v]

agora já só conseguia escutar uma espécie de grito surdo ininterrupto e sentia-o vir de dento de si, do seu cérebro, dos seus ouvidos. encarou-a durante alguns minutos e a calma dela fê-lo perder aquele lampejo de energia, de reacção intrépida que o movera segundos antes.
- se quiseres, digo-te já. - a voz dela parecia-lhe cada vez mais doce e feminina.
- dizes-me já...?
- a saída. podes sair daqui, onde quer que estejamos, abstraindo-te do que te rodeia aqui. tu estás num sonho que te pertence, tomás. só tu o podes destruir. mas tens de saber fazê-lo sem te perderes por aqui...
o seu nome ecoou-lhe no pulsar do sangue.
- sabes como me chamo...
- isso interessa?
sentou-se. subitamente, percebeu que queria sentar-se. queria perceber onde estava realmente. com certeza, tudo aquilo não podia ser um sonho. nunca se soubera tão imaginativo ou tão louco.
sentou-se, portanto, e ela sorriu. mesmo de costas, percebeu-lhe o sorriso. fitou-lhe a sombra curvilínea na parede à espera de um sorriso também ali.
ela contornou a mesa, o olhar demorando-se na pele dele, e agarrou na faca que pousara antes sobre a mesa.
- esta faca vai cortar-te. eu vou cortar-te com esta faca. vou cortar-te de cada vez que sentires prazer em observar-me.
- e se eu sentir nojo de ti?
foi nesse instante que ela sorriu. um sorriso enviesado e felino, os olhos cautelosos, a pele esticada pela tensão. tudo lhe indicava que sentiria tudo menos nojo dela.
- pelo contrário. vais sentir-te fascinado e vais odiar-me por te fazer sentir tanto.
o sorriso mantinha-se, meigo, muito meigo, quase maternal e condescendente. ouviu-se inspirar fundo, preparando-se para aquela batalha, e soube que já a havia perdido. mas ela também o olhava com admiração. e escutava a respiração dele como de música se tratasse.