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outubro 28, 2004

por detrás do último monte da cidade velha, havia uma pequena estrada de terra vermelha que se estendia por alguns quilómetros. Avistava-se ao longe um amontoado de barracas. o mais impressionante era o barulho que se conseguia ouvir mesmo àquela distância. não se percebia bem o que era, qual a sua origem, mas era ensurdecedor para o ouvido incauto.
quem tentasse fazer aquele caminho, teria de ter consciência do péssimo estado em que as suas roupas acabariam por ficar: cheias de pó e de manchas que nem o mais inovador dos detergentes removeria.
bandos de crianças esfarrapadas, com mãos e rostos sujos de lama, corriam de um lado para o outro, perseguidores improváveis de uma galinha preta. metade do barulho provinha dos seus gritos entusiasmados. a outra metade parecia vir da voz de uma cigana de cabelos claros empoleirada em cima do telhado de chapa de uma casa que não seria a sua, a julgar pelos protestos de uma outra cigana mais velha, cheia de ouro nos pulsos e no pescoço. a que se apropriara do telhado da anciã gritava maldições e puxava pelos seus cabelos e estendia as mãos, como que a suplicar algo e depois, imprevisivelmente, dava-se a si própria uma bofetada impressionante.
percebia-se que o centro da discussão era um homem, o mesmo que, de mãos nos bolsos de umas calças rotas na zona da nádega esquerda, a escutava com enfado, de vez em quando abanando ligeiramente a cabeça e sorrindo. era uma cena certamente habitual porque ninguém permanecia especado a olhá-lo senão eu.
à luz da lua, só se ouvia aquela música contagiante ao som da qual aquela mulher ganhava poderes provenientes, tão só, da música, do acordeão e do violino bêbado escondidos por detrás das roupas estendidas nas cordas que ligavam as barracas entre si.
uma figura feminina passou pelo largo do vilarejo, cantarolando e dançando, as mãos mágicas a convidar os sonhadores e os infelizes a segui-la. minutos depois, seguiram-se-lhe dois homens, um de meia-idade, outro muito jovem ainda. um carro velho, paralisado junto ao barracão onde se faziam os casamentos, servia de esconderijo a dois apaixonados cujos gemidos se harmonizavam com a musiquita que lá se ia espalhando por entre chapa e roupa lavada. e enquanto a bebida me dava, por fim, sinal de que se apagavam as minhas luzes, vi a lua oscilar e as estrelas dançar. todas as estrelas tinham um par.