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agosto 31, 2004

- olhe, faz favor, onde é que tem a música?
- boa tarde... música ou livros sobre música?
- isso... ah! - apontando para uma estante com a nova edição das confissões de santo agostinho em destaque, sob uma faixa a dizer «filosofia» -... deixe estar, deve estar para ali, obrigada.

nova ordem biblioteconómica?!

agosto 29, 2004

ele dormia profundamente e não se apercebeu da entrada dela no seu quarto. ela ajoelhou-se junto da cama e acariciou-lhe um tornozelo, depois o outro, beijou-lhe a pele calejada dos pés.
uma mão decidiu explorar a carne das coxas que se escondiam debaixo dos lençóis frescos. a respiração dele mudou de cadência e fê-la sorrir e recolher as mãos. ainda sonolento, ele afastou um pouco o lençol e acendeu o candeeiro.
"ele é feito de bronze", foi a primeira coisa que lhe veio à cabeça. sorriu e esperou um sorriso que não tardou. "voltaste", um murmúrio quente junto à sua orelha.
ela aninhou o rosto na curva do ombro dele e beijou-lhe o pescoço. ele soltou uma gargalhada que ecoou na pele de ambos, ao senti-la arquear-se. "quero beijar-te as costas", foi o pedido dele.
como uma gata, ela fez-lhe a vontade: esticou os braços primeiro, depois as pernas, as curvas delineadas pela luz do candeeiro estampadas na parede oposta. ele beijou-lhe a pele que cobria os músculos perfeitos e sensíveis entre as omoplatas e as nádegas gloriosamente expostas.
"queres-me?", ele perguntou. ela encarou-o, o rosto afogueado e brilhante, os lábios entreabertos e expectantes. a sua mão direita, discreta mas determinada, seguia um outro ritmo, muito seu. "olha para mim. não vês como te quero?"
a mão dele juntou-se à dela. ficava sempre fascinado com aquela suavidade e os ruídos que ela fazia quando ele por lá se demorava.
ela era rebelde; só teve tempo de perceber que os cabelos dela se enleavam nas suas pernas, antes de suster o fôlego.
a humidade da boca dela era um pesadelo e um sonho, sentia as têmporas latejar e um calor húmido instalar-se nas entranhas: algo dentro dele estilhaçou ao perceber que estava prestes a perder o controlo.
"vem", foi a última palavra que ouviu antes de se perder na escuridão morna.
Anonymous Anónimo disse...

Cara amiga, tu és fantástica quando escreves assim. Um dia temos de falar sobre isso...almoço um dia destes? (Isidro=Joao Fnac de Antigamente)

30/8/04 14:23  

diz ...

quero dizer-te que te amo.
admiro a expressividade das tuas mãos, a seriedade da tua testa, a contenção dos teus lábios.
falha-me a respiração quando os meus olhos só vêem o teu pescoço.
ou quando pareces irritado e eu não consigo lembrar-me de nenhum motivo para essa irritação.
ou quando o meu seio roça o teu braço e te esqueces do que estavas a dizer.
ou quando consegues expressar exactamente o que queres dizer e, de repente, sorris.
ou quando queres-me atenta e a tua mão desce até à minha barriga, para aí se deixar ficar.

esta dialéctica erótica sem palavras agrada-me.
um dia falar-te-ei sobre isto, sobre este amar profundo e só.

agosto 28, 2004

cry me a river na voz de nina simone

gosto da solidão.
gostei do king arthur de antoine fuqua porque apresenta uma versão muito mais credível e, pelo que eu própria investiguei há alguns anos atrás, mais aproximada daquele que realmente terá sido esse comandante supremo. mas o que me conquistou foi a humanidade daqueles cavaleiros: eles não eram santos em busca de um graal de paradeiro incerto, não eram criaturas regeneráveis, não andavam sempre de bom humor. e tinham dúvidas como nós.
há até uma insinuação, extremamente subtil, ao longo do filme de uma eventual relação homosexual entre lancelot (ioan gruffudd) e arthur (clive owen) e não a lendária relação entre guinevere (keira knightley) e lancelot, cujo olhar sobre o corpo dela denuncia mais ciúme que desejo.

outro ponto a favor do filme é o facto de não ser uma super-produção com super-estrelas hollywoodescas mas uma produção que vai buscar os melhores actores para os diversos papéis: til schweiger (alemanha), stellan skarsgard (suécia), mads mikkelsen (dinamarca), joel edgerton (austrália), para além da prata da casa, clive owen, ioan gruffudd, keira knightley, ray winstone, hugh dancy, stephen dillane e ray stevenson.
ter-me-ei tornado demasiado cínica, a ponto de nem sequer me dar conta disso?

o último post despertou comentários por parte da sofia.
alguns deles martelam-me as ideias agora mesmo: "não considero nenhum tipo de experiência má ou boa. e desgosto ver-te de certa forma defenderes-te daquilo que és, desculpares-te do próprio caminho que tomas. tornares-te imperfeita, a ti, que és um pedaço da natureza que defendes como perfeita."

é isto que ando a fazer? a defender-me? é isso que se lê aqui?
a natureza é perfeita, porque imperfeita. mas de uma forma que escapa à nossa compreensão.
e, volto a dizê-lo, sofia, eu não estou a defender-me, estou a aclamar-me.

como diria nietzsche, há um deus que dança em mim.
Blogger Unknown disse...

qual cinismo... apenas não interpretei bem a coisa.
entendi de uma forma o conceito "imperfeição" e tu alteraste-lhe o significado ao longo do post. quem é que adivinhava que a imperfeição como oposto era diferente da imperfeição como um todo?
isto a nível de programação é tramado. um objecto é exactamente como foi definido durante todo o processo onde está inserido, se o alteras tens de o transformar num novo objecto. a tua definição cresceu pelo caminho. o meu processamento não funcionou.
não és tu que és cínica, eu é que estava cansada.

mais, comentei o post, não comentei o teu blog. e continua a dançar porque, repito, gosto de te ler.
e obrigada pelo mail.

29/8/04 20:53  

diz ...

agosto 25, 2004

lamento, mas vou ter de o dizer.
só a natureza é perfeita.

por exemplo: o corpo humano é, fisiologicamente, dotado de um mecanismo completo, é um organismo perfeito.
contudo, tudo aquilo que nos distingue no geral e no particular dos restantes animais tornou-nos cada vez mais imperfeitos porque mais distantes do ser humano natural.
nessas imperfeições, note-se, incluo a imaginação e a criatividade de que falei anteriormente, mas também a babélica parafernália linguística a que hoje em dia podemos recorrer e a capacidade de discernimento ético e moral - sempre subjectiva, claro está.
e assim, o homem é adoravelmente imperfeito porque são tantas as variáveis nos milhões de equações humanas do planeta, que dificilmente encontraremos duas pessoas exactamente iguais, sobretudo a nível espiritual.

a imperfeição abre caminho à individualidade.
por isso me considero sortuda: por amar de igual forma, por inteiro, pessoas diferentes que me oferecem mundos diferentes.

repito: só a natureza é perfeita.
e talvez seja essa a razão pela qual, diante de um nascer do sol (um nascer do sol glorioso, vincent!) ou diante de uma borboleta ou no calor de uns braços que gritam o meu nome, me sinta perfeita; em momentos simples, honestos e puros como esses, é algo de natural.
a racionalização, porém, dir-me-à, mais tarde, que o não sou, nunca fui. ninguém o é.

mas isso não é necessariamente mau.
Blogger Unknown disse...

Vou discordar mais um bocadinho
A natureza nao É o que É. É o que observamos dela, é a voz off que conta a história, é o nosso próprio lugar dentro dela. A natureza é demasiado ampla e não tem, a meu ver, dentro dela, características racionalmente mesuráveis simplesmente porque não é estática. Por não ser perfeita é que se continua a mover.

Sem dúvida que honestidade e pureza de raciocínio são essenciais na procura de um equilíbrio, a perfeição é um equilíbrio, e acho não existe nenhum equilíbrio sem dois opostos.

Mau não é necessariamente inútil, é apenas mais uma parte de um processo, dentro dos muitos processos da evolução de complexidade no sentido de uma cada vez maior diversidade de experimentação física/expansão espiritual.

26/8/04 21:44  

diz ...

yupiiii! vou voltar à escolinha!
diz o oráculo délfico que, em breve, este blog será um repositório de frases envenenadas cujo alvo, as criaturas com veia parasitária do meio académico, permanecerá incauto até muito para além da minha existência.
aguardo a esfíngica interrogação do quotidiano...

agosto 24, 2004

tenho um ódio privilegiado a vasco graça moura pelas desgraçadas traduções de Dante e Petrarca (não cheguei aos sonetos de Shakespeare) mas também pelo seu feitiozinho de merda, pela sua condescendência face aos grandes mestres, e por não reconhecer que não sabe traduzir.
agora, junta-lhe-se uma senhora, maria gabriela llansol, que despejou uma mal amanhada tradução d'As Flores do Mal de Baudelaire na edição recentemente publicada com a chancela da relógio d'água. aquela língua é conhecida por francês, cara senhora, e mandam as regras consultar o dicionário sempre que não se conhece um verbo; nunca cortar uma frase inteira por não se lhe captar o sentido!

a boa notícia é que há dois bons tradutores a parabenizar: frederico lourenço, pela tradução da Odisseia (ed. cotovia), e antónio sousa ribeiro, pela edição d'Os últimos dias da humanidade, de Karl Kraus (ed. antígona, 2003).
Blogger Renato Martins disse...

Gostava de ter lido este post antes. Comprei mesmo as flores do mal, que acabam por ser da autoria da Gabriela Llansol. O texto é uma criação da propria, nao ha tradução. Acho vergonhoso...

16/1/10 04:32  

diz ...

agosto 23, 2004

conheço um homem com um odor natural tão erótico, obsceno, sexual (o que quiserem chamar-lhe) que devia manter-se a, pelo menos, 5 metros de distância de mim. é um homem banal, provavelmente tem namorada. sempre que lhe sinto o cheiro, apetece-me saborear-lhe a boca e descobrir que outros cheiros tem.

agosto 22, 2004

gosto de olhar para as pernas das mulheres, sobretudo aquelas cobertas por meias delicadas suspensas por um cinto de ligas, e desejar, com esse olhar, despi-las.

agosto 21, 2004

é perfeitamente possível ter uma relação satisfatória com alguém e estar apaixonada por outra pessoa. ou mais do que uma. e é uma possibilidade perfeita: somos estimulados intelectualmente por pessoa C, o nosso corpo está satisfeito pelas capacidades performativas da pessoa B, e o nosso espírito comunga com o da pessoa A.

que numa mesma pessoa resida a perfeição que seria a totalidade destas capacidades, isso é algo improvável.
Anonymous Anónimo disse...

Mas é só mesmo isso: Improvável. Porque, felizmente, é mesmo possivel, embora raro.

23/8/04 13:32  
Blogger Unknown disse...

sinto que perfeição é sinónimo de mudança. essa probabilidade que falas está em todos nós constantemente intermitente. deve passar então por conjugações intermitentes e não por capacidades fixas

24/8/04 23:08  
Blogger limonada disse...

Exactamente.

15/9/04 22:02  

diz ...

conhecemo-nos quando tinhamos 7 anos. andámos juntos na escola, com a professora elisabete a dar-nos - mais a ele que a mim - com uma régua nas palmas das mãos cada vez que falhávamos na cantoria da tabuada (nunca cheguei a perceber aquela história dos "noves fora" e hoje em dia adoro matemática).
um dia, uma miúda irritante copiou do meu teste e a professora elisabete colocou-me a mim naquele cubículo onde guardavam as vassouras e as caixas com pauzinhos de giz. apagada a luz, desatei a gritar. um grito ininterrupto. gritei até ficar rouca, e mesmo sem me escutarem, continuava a gritar. lembro-me de sentir tudo girar à minha volta.
e de repente, a porta abriu-se. o luís tinha-a aberto. a professora estava histérica porque um miúdo a desafiava. eu estava aterrorizada. mas o luís deu-me a mão e saímos da sala de aula em silêncio.

quando morreu o meu Babo, corri até à casa dele e passámos a noite acordados e a fumar os nossos primeiros cigarros em cima do telhado da garagem do pai dele. para me animar, ele inventou histórias sobre as estrelas e o que estava para além delas.

em 1996, ele foi para a bósnia-herzegovina. queria ajudar. ficou em gorazde durante uns meses e depois mandou-me um mail a dizer que estava integrado numa missão da osce num projecto que pretendia controlar o tráfico de fármacos. ia continuar por lá, desta feita em sarajevo, durante pelo menos um ano. mantivemos um contacto mais regular. foi mais ou menos por essa altura que me apaixonei pela primeira vez e escrevia-lhe a contar coisas que só ele e eu vamos saber.
voltei a vê-lo em 1998 quando regressou a portugal: tão bonito e destemido quanto eu sempre soubera que ele seria.
ia dar umas voltas pelo mundo e depois assentaria arraiais quando estivesse mais cansado.

hoje, o luís faz 27 anos e está no alaska, em kenai, uma cidade perto de anchorage. está a trabalhar num restaurante com motel, junto a uma estrada que serve de ponto de passagem a algumas dezenas de pescadores de caranguejo nesta altura do ano. antes, movido pela oportunidade de ganhar muito dinheiro em pouco tempo, trabalhou precisamente na apanha do caranguejo, mas percebeu que podia morrer a qualquer altura pelo mais estúpido dos erros.
no restaurante, diz-me ele, tem a oportunidade de observar pessoas que por lá passam, algumas todos os dias, outras uma única vez antes de se aventurarem e que essas pessoas não iguais às restantes que conhecemos: são pessoas fortes, bem-humoradas, com um instinto acerca do que é certo e errado que nos faz duvidar de nós próprios.

parabéns, miúdo! tenho saudades tuas. beijo da tua princesa.

agosto 20, 2004

é claramente tokyo, mas não há nada que nos diga isso; não há kimonos, nem tatamis, nem bonsais que possamos admirar àquela distância de estrangeiro. somos levados para dentro daquele mundo e não nos perdemos, porque já estamos familiarizados com todo o cenário. e mesmo os personagens, aparentemente banais, com repetidas presenças, representam a humanidade no seu conjunto de imperfeições.
o que há de mais perturbador e sedutor em murakami é a soma de toda a sua obra resultar em algo muito maior que qualquer uma das partes: não procura uma definição (na verdade, escapa a qualquer tentativa nesse sentido), mas representa qualquer coisa sem nome e tudo parece ter vida própria fora do seu microcosmos.

agosto 19, 2004

They were the dream image of an ear. The quintessence, the paragon of ears. Never had any enlarged part of the human body (genitals included, of course) held such strong attraction for me. They were like some great whirlpool of fate sucking me in.
One astonishingly bold curve cut clear across the picture plane, others curled into delicate filigrees of subtle shadow, while still others traced, like an ancient mural, the legends of a past age. But the supple flesh of the earlobe surpassed them all, transcending all beauty and desire.
....

"For you, I'll show my ears", she said, after finishing her espresso. "But I don't know if it will really be to your benefit. You might end up regretting it."
....

With that, she pulled a black hairband out of her handbag. Holding it between her lips, she pulled her hair back with both hands gave it one full twist, and swiftly tied it back.
"Well?"
I swallowed my breath and gazed at her, transfixed. My mouth went dry. From no part of me could I summon a voice. For an instant, the white plaster wall seemed to ripple. The voices of the other diners and the clinking of their dinnerware grew faint, then once again returned to normal. I heard the sound of waves, recalled the scent of a long-forgotten evening. Yet all this was but a mere fragment of the sensations passing through me in those few hundredths of a second.
"Exquisite", I managed to squeeze out. "I can't believe you're the same human being."
"See what I mean?" she said.
She'd become so beautiful, it defied understanding. Never had I feasted my eyes on such a beauty. Beauty of a variety I'd never imagined existed. As expansive as the entire universe, yet as dense as a glacier. Unabashedly excessive, yet at the same time pared down to an essence. It transcended all concepts within the boundaried of my awareness. She was at one with her ears, gliding down the oblique face of time like a protean beam of light.
"You're extraordinary", I said, after catching my breath.
"I know", she said. "These are my ears in their unblocked state."
Several of the other customers were now turned our way,staring agape at her. The waiter who came over with more espresso couldn't pour properly. Not a soul uttered a word. Only the reels on the tape deck kept slowly spinning.
She retrieved a clove cigarette from her purse and put it to her lips. I hurriedly offered her a light with my lighter.
"I want to sleep with you", she said.
So we slept together.

haruki murakami, a wild sheep chase (vintage, 2003)
fissura espacio-tamporal (parte 2 de uma totalidade hipotetizada)

se não sei o meu nome, saberei quem sou? serei ainda alguém?
se não sei de onde vim, como regressar atrás?
e então, vemo-nos presos num sítio incerto em que palavras escritas e sons equivalem a um nada. sucedem-se episódios de «nada»: as pessoas, a natureza, o que nos rodeia. todos os dias exactamente o mesmo, perfeitamente ordenados na exacta sequência do dia anterior.

presos na eternidade. mas perfeitamente felizes.
perfeitamente felizes?
o que é ser feliz, se não tenho memória do que existiu antes?

porque memória e percepção sensorial são tão enviesadas, contamos sempre com uma determinada realidade - porque não chamar-lhe realidade alternativa? - para provar a realidade dos factos.
até que ponto os factos que reconhecemos como tal são realmente como aparentam ser, e até ponto estes factos o são apenas porque os classificamos como tal, é algo impossível de precisar.
assim, para estabelecer a realidade como realidade, é necessária outra realidade de modo a podermos relativizar a primeira; essa outra realidade requer uma terceira que lhe sirva de, digamos, contraponto.
está, então, criada uma corrente interminável a nível da consciência e é a manutenção desta corrente que produz a sensação de estarmos realmente aqui, de nós próprios existirmos.
se algo acontece a essa corrente, sentimo-nos perdidos; se perdemos capacidades mnemónicas potenciadas por uma determinada realidade daquela corrente criada, estamos, na verdade, a perdermo-nos a nós próprios.

o que é real? eu, que já não sei quem fui, ainda existo?
ainda tenho nome? ainda consigo sonhar?
se não sei o que houve, saberei imaginar o que poderá haver?
Blogger Unknown disse...

a realidade ..uma determinada expansão, uma determinada alteração. sim eternamente marcada, não estagnada.
não se perde nunca toda a memória, ela aloja-se em vários segmentos do se ser, mesmo sem ver ou saber.
nao acredito sermos a máquina que nos querem fazer, se a fôssemos tinhamos undos, deletes e escapes.

24/8/04 22:54  

diz ...

agosto 16, 2004

tenho as minhas fobias.
lagartos.
às vezes, sinto-os nas minhas costas.
uma pata insignificante no lóbulo da orelha.

agosto 14, 2004

- Olhe menina, eu queria o Livro do Desassossego, mas o do Bernardo Soares, não o do Fernando Pessoa, que esse deve ser um calhamaço!
Sem uma palavra, mas com o olhar mais entristecido, parto em busca de um anti-calhamaço inexistente. A cliente vê-me regressar com aquilo que ela sonha ser um tijolo numa parede qualquer e um fiozinho de suor escorre-lhe pela testa até chegar abaixo da orelha, junto ao maxilar.
- Ai, é tão grande! Como é de um autor jovenzinho (sic) e, prontos, ó-fim-ó-cabo é um desconhecido, pensei que, prontos, fosse mais maneirinho!

eu adoro trabalhar com livros.

agosto 10, 2004

andei a guardá-lo para hoje. não para este dia particularmente, mas para um dia como hoje, um dia em que a luz ora se esconde, ora brinca com a nossa pele.
ouvi o novo cd do rodrigo leão na minha varanda, com vista para o tejo, ao sabor de uns cohibas e recordo-me de ter lido alguns dias atrás que ele iria fazer a apresentação do cd na grécia.
o cd leva o título de cinema, que tem a sua origem na palavra grega "kinema", movimento e é precisamente um mover qualquer que sinto enquanto escuto de novo aquela primeira música.
tudo se agita dentro de mim.


agosto 09, 2004

otomo yoshihide new jazz ensemble com mats gustaffsson pela noite fora, na sexta feira passada, na gulbenkian, com o vento também ele a tocar qualquer coisa indizível nas árvores verdejantes.
yasuhiro yoshigaki na bateria, a tocar de olhos fechados com tal paixão que os seus óculos voaram; otomo yoshihide encolhido na cadeira, com os braços a envolver aquela guitarra e a fazer dela o instrumento nevrálgico do concerto; o discreto mas muito necessário contrabaixo nas mãos de hiroaki mizutani e o fabuloso kenta tsugami, muito sério e controlado, a libertar sons simples e levemente nostálgicos daquele saxofone.
uma actuação formidável!
alguns de vocês, homens, têm umas mãos tão bonitas que apetece namorá-las.

agosto 08, 2004

fissura espacio-temporal (parte 1 de não sei bem que totalidade)

(os gregos já disseram tudo, mas talvez não tenham imaginado tão longe quanto possível.)

partindo do pressuposto que o espaço é contínuo e infinitamente divisível, segundo teoria inicial de zenão de eleia [1] é perfeitamente imaginável uma realidade paralela em que o homem vive num momento eterno.

primeiro, a explicação da continuidade/divisibilidade do binómio espaço-tempo:
qualquer objecto em movimento tem um percurso até alcançar a sua meta, mas antes de lá chegar há que percorrer primeiro metade do caminho, sendo então estabelecida nova meta, a que delimita as duas metades do percurso. a primeira metade é agora um caminho a ser percorrido e também ele tem duas partes, sendo primeiro necessário alcançar o limite da metade desta metade. e assim ad infinitum.
o movimento que constitui o percurso entre estes momentos nunca termina e nunca o objecto atinge realmente a sua meta. esta continuidade é homgeneidade pura, todas as diferenças são eliminadas, e o que resta é o objecto per se.
ora, se isto sucede no plano espacial e todo o movimento fica «congelado», não há progressão temporal e, consequentemente, não há amadurecimento/envelhecimento nem a nível físico nem a nível psicológico.

parece-me, contudo, que, da repetição do momento presente a que o objecto-sujeito está preso, derivará forçosamente um empobrecimento mental: os momentos que se sucediam e se distinguiam, agora fundem-se e a nossa consciência não tem necessidade de registar o mesmo número de fenómenos que registava antes.

segundo, o homem preso na eternidade:
uma das ambições do homem sempre foi a de conseguir uma formula mágica que impedisse ou o envelhecimento ou a morte e a imaginação levou-o a testar tudo, à excepção de si próprio.
sabemos que a criatividade e a capacidade que o homem tem de imaginar é o factor que nos distingue dos restantes animais e que essa capacidade é ilimitada.

então, imaginem que caem num sono profundo e doce e que os vossos músculos se descontraem, lentamente. e sonham que atravessam um bosque e entram numa cidade estranha mas não completamente estranha. e sonham que são vocês próprios, mas não se conseguem recordar do vosso nome. e falam com pessoas estranhas mas vagamente familiares, como se as conhecessem de um outro tempo que já não conseguem precisar quando ou onde teve lugar.
é um lugar suficientemente aprazível: há um bosque verdejante, um lago com cisnes, uma ponte iluminada forrada a folhas secas com cheiro a terra molhada, as pessoas são simpáticas, há livros mas não há nada dentro deles, há instrumentos musicais mas nenhum acorde vos vem à cabeça.

e agora tentem voltar atrás.



[1] é verdade que aristóteles deu cabo desta teoria do caraças com um simples esclarecimento vocabular: se empregamos o adjectivo divisível e não dividido, não há qualquer obrigatoriedade do pressuposto.