voi ch'ascoltate: sono perduta [i]
tudo branco. se fechasse os olhos, tudo o que veria seria uma grande mancha de branco, o oposto daquilo que via com os olhos bem abertos. estava nu, no meio de um corredor. pelo menos, parecia-lhe ser um corredor, mas já não tinha a certeza de nada. gotas de suor ensopavam-lhe os cabelos e uma mão trémula encostava-se naquilo que sentia ser uma parede, tentando recuperar o equilíbrio que não se lembrava de ter perdido muito menos como. se nem sequer sabia como tinha chegado ali, ou onde estava.
seria o mesmo homem? claro que sim, teimou: recordava-se da doçura da sua mulher quando, durante o sono, procurava os seus braços. lembrava-se do cheiro do café pela manhã. um ruído do outro lado da parede fê-lo saltar. o chão, no entanto, parecia desaparecer, aos poucos, mas não se sentia a cair.
a carpete espessa abafava-lhe os passos mas não os daquele outro ser vivo do outro lado da parede. o medo paralisou-o. os cheiros que lhe assomavam ao nariz eram demasiado estranhos e fortes, pouco indulgentes. subitamente, o ruído enervante de uma porta há muito por abrir encheu o ar naquele espaço imensurável. estaria realmente num corredor? podia ser uma sala. de formato estranho, mas uma sala. forçou-se a dar um passo em frente. stravinsky agitava-se lá dentro, saía pela porta juntamente com a luz alaranjada e vagamente doentia. "e l'occhio vostro pur a terra mira; onde vi batte chi tutto discerne"[1], repetia aquele professor de literatura italiana, vezes sem conta.
"onde vi batte chi tutto discerne". os seus pés arrastavam-se. ia cair, tinha a certeza, mas também estava certo de que havia chão debaixo deles. cair como? cair para dentro, talvez. mas tudo ia ficando cada vez mais nebuloso à medida a que se ia aproximando da porta que o convidava. sacudiu uma aranha teimosa e inspirou fundo. como se se preparasse para nadar para longe.
"onde vi batte chi tutto discerne", murmurou. era aquela a sua voz? já não se lembrava.
[1] Dante Alighieri, La Divina Commedìa, XIV, vv.150-151
tudo branco. se fechasse os olhos, tudo o que veria seria uma grande mancha de branco, o oposto daquilo que via com os olhos bem abertos. estava nu, no meio de um corredor. pelo menos, parecia-lhe ser um corredor, mas já não tinha a certeza de nada. gotas de suor ensopavam-lhe os cabelos e uma mão trémula encostava-se naquilo que sentia ser uma parede, tentando recuperar o equilíbrio que não se lembrava de ter perdido muito menos como. se nem sequer sabia como tinha chegado ali, ou onde estava.
seria o mesmo homem? claro que sim, teimou: recordava-se da doçura da sua mulher quando, durante o sono, procurava os seus braços. lembrava-se do cheiro do café pela manhã. um ruído do outro lado da parede fê-lo saltar. o chão, no entanto, parecia desaparecer, aos poucos, mas não se sentia a cair.
a carpete espessa abafava-lhe os passos mas não os daquele outro ser vivo do outro lado da parede. o medo paralisou-o. os cheiros que lhe assomavam ao nariz eram demasiado estranhos e fortes, pouco indulgentes. subitamente, o ruído enervante de uma porta há muito por abrir encheu o ar naquele espaço imensurável. estaria realmente num corredor? podia ser uma sala. de formato estranho, mas uma sala. forçou-se a dar um passo em frente. stravinsky agitava-se lá dentro, saía pela porta juntamente com a luz alaranjada e vagamente doentia. "e l'occhio vostro pur a terra mira; onde vi batte chi tutto discerne"[1], repetia aquele professor de literatura italiana, vezes sem conta.
"onde vi batte chi tutto discerne". os seus pés arrastavam-se. ia cair, tinha a certeza, mas também estava certo de que havia chão debaixo deles. cair como? cair para dentro, talvez. mas tudo ia ficando cada vez mais nebuloso à medida a que se ia aproximando da porta que o convidava. sacudiu uma aranha teimosa e inspirou fundo. como se se preparasse para nadar para longe.
"onde vi batte chi tutto discerne", murmurou. era aquela a sua voz? já não se lembrava.
[1] Dante Alighieri, La Divina Commedìa, XIV, vv.150-151
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